23 de fevereiro de 2016

Visita ao Jedi's

*A visita aconteceu antes da alteração do nome da hamburgueria, em dezembro de 2015, durante a realização da Comic Con Experience. Hoje a hamburgueria se chama Jeti's e removeu todas as referências a Star Wars.

O cardápio.
Conheci o Jedi's em 2015 após assistir uma das muitas matérias veiculadas na TV sobre a hamburgueria. Logo que vi, fiquei instigado em conhecer o lugar na primeira oportunidade que tivesse de voltar a São Paulo. Pois em dezembro fui na Comic Con Experience e resolvi aproveitar uma das noites da minha estadia na cidade pra finalmente conhecer o Jedi's. Como bom fã de Star Wars, minhas expectativas pela experiência foram muito altas, nem tanto pelos burgers mas pelo local em si.

Minha primeira frustração foi descobrir que não havia metrô próximo ao Jedi's, no máximo uma linha da CPTM a uma distância razoável do estabelecimento. Em São Paulo o metrô faz toda a diferença na rotina das pessoas, logo, ter que pegar um táxi me passou a impressão que o Jedi's foi aberto mais pensando em turistas que no próprio paulistano. A corrida não foi cara mas, do ponto de vista de quem estava fazendo turismo, tudo bem em gastar um pouco mais pra chegar em um lugar mais distante, só imagino o quão isso pode ser frustrante pra quem é da cidade e se programa conforme o metrô. Tanto é que ao perguntar por amigos paulistanos se já conheceram o Jedi's, nenhum acenou positivamente! Todos alegaram o mesmo problema: a distância e o tempo pra se deslocar até o local. Além de não ter metrô, a hamburgueria fecha às 00h, outro fator complicador pra quem mora em São Paulo. Qual não foi meu espanto ao ouvir do taxista que o local onde a hamburgueria se situa é uma região hoteleira, altamente frequentada por turistas. Isso deixou a impressão que o local é feito pensado pra turistas.

A ambientação. Bacana no primeiro contato.
Ao chegar no Jedi's, logo tive que encarar uma fila pra entrar. Na fila mesmo percebi que todos próximos de mim eram, de fato, turistas, a maioria do RJ. A fila foi outro fator complicador mas é algo normal em São Paulo: se você vai sair na noite paulistana, é bom estar pronto pra encarar filas. Não esperei muito pois estava acompanhado apenas da minha noiva, a Evelise Couto do blog Casa de Um, logo surgiu uma mesa pra 2 e fomos devidamente acomodados. Quem foi em grupo de 4 ou mais pessoas teve que esperar mais tempo por uma mesa. Por sorte optamos por ir no Jedi's na quinta-feira mas ficamos sabendo que no sábado, um grupo de amigos que foi na Comic Con e deixou pra visitar a hamburgueria no dia, esperou uma hora e meia e acabou desistindo.

O Jedi's é bonito à primeira vista, todo decorado com um visual característico de Star Wars. As paredes e a decoração lembram um Star Destroyer mas a impressão que ficou é que o lugar era mais bonito na TV. As mesas, o bar e até os atendentes não traziam nada característico da saga: um fã com olhar mais atento logo percebe que, excetuando as paredes adesivadas e uma decoração mais trabalhada no fundo, temos uma hamburgueria normal no final. Não que eu esperava ser atendido por um Stormtrooper ou pelo Darth Vader mas acredito que um mínimo de zelo com a temática deveria ser aplicado, a galera da Editora Aleph usava um tecido comum improvisando a roupa de um Jedi no estande na Comic Con, nada desfuncional ou caro mas totalmente de acordo com Star Wars. No cardápio mesmo, muitos lanches tinham nomes temáticos, no entanto, Lasanha era Lasanha mesmo, nada de Lasanha Mustafar, Milk Shake era só Milk Shake, nada de Milk Maul ou coisa do tipo. Faltou esse capricho com o tema em várias situações.

O Sentinela e o burger Jedi.
Quanto ao lanche, o burger era bom, razoavelmente bom mas não era nada gourmet. Não sou nenhum especialista mas dava pra perceber que o pão tinha corante artificial, o bacon e o hambúrguer eram comuns e nada ali parecia contar com ingredientes diferenciados, ao contrário do que parecia pela TV. Em Campo Grande, MS, onde resido, temos hamburguerias temáticas com burgers bem mais elaborados e variados que os do Jedi's. Destaco aqui o Burger Rocks onde todos os lanches tem nome temático e são feitos com ingredientes especiais por um preço compatível ao do Jedi's mas com qualidade superior.

A melhor parte da noite foi a apresentação sensacional dos cosplayers. O vídeo abaixo não me deixa mentir, ver Darth Vader, Darth Maul e Stortroopers foi o ponto alto da noite. Nesse instante eu e minha noiva esquecemos todos os pormenores encarados até então e nos divertimos com o espetáculo junto com todos os presentes. O Darth Maul surpreendia pela maquiagem perfeita, provavelmente num trabalho que deve ter demorado um bom tempo pra ficar daquele jeito.


O Sentinela e Darth Vader.
Porém, no entanto, todavia... qual não foi minha decepção ao ir embora quando ouvi de um presente do lado de fora que os cosplayers iam regularmente no estabelecimento, porém não recebiam um centavo pela apresentação. Se isso for verdade, e não confirmei o fato nem com os cosplayers ou com funcionários mas um frequentador regular que dizia conhecer os cosplayers, fica uma decepção muito grande com os responsáveis pelo Jedi's. O que poderia ser um lugar sensacional ficou marcado como um lugar bacana mas nada excepcional, cuja temática parece ter sido pensada em virtude do hype em função do retorno da saga aos cinemas. Os fãs merecem mais e os proprietários poderiam lucrar ainda mais se entregassem algo mais autêntico.



*Considerações "pós mudança de nome"*

Evelise Couto do Casa de Um e o invocado Darth Maul.
A impressão que ficou de que o Jedi's era um lugar que podia ser melhor acabou se confirmando quando no começo de 2016 eles tiveram de mudar o nome da hamburgueria em virtude de direitos sobre a marca Star Wars. Imagino que, se tivessem um cuidado maior desde o princípio com o público e a marca, isso não teria acontecido. Foi decepcionante quando observamos os problemas de autenticidade do lugar e principalmente quando ficamos sabendo de como era a participação dos cosplayers, sem nenhuma remuneração ou compensação pelo trabalho. Se esse fato com os cosplayers era ou não fato, acredito que antes de abrir um estabelecimento temático, o correto seria verificar a possibilidade do uso da marca junto aos atuais proprietários, no caso a Disney. Não é porque o nome da hamburgueria não tinha Star Wars junto que não se constataria aqui um caso de uso indevido da marca.



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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.

16 de fevereiro de 2016

O astro que caiu na Terra


Cartaz do filme.
O Camaleão do Rock, David Bowie, criou e personificou vários personagens nos palcos. Sua carreira na música como Ziggy Stardust, Aladdin Sane e outros tantos personagens acabou levando o astro aos cinemas: primeiro com curta-metragens e breves pontas mas não tardou muito a oferecerem um longa pro astro do Rock protagonizar. E que filme! O Homem que caiu na Terra do diretor Nicolas Roeg é um clássico cult da marca maior. Não apenas por ter o exótico Bowie como protagonista: o filme contou com o produtor Michael Deeley que, anos mais tarde, produziria outro clássico, Blade Runner. O filme é ainda referência em Valis, de Philip K. Dick onde versões fictícias de Philip K. Dick e o amigo autor K. W. Jeter tornam-se obcecados pelo filme "Valis", estrelado pelo rockstar fictício Eric Lampton. Philip K. Dick se baseou na obsessão real do amigo K. W. Jeter por O Homem que caiu na Terra e seu astro, David Bowie.

O Homem que caiu na Terra é um dos primeiros filmes que traz um apelo à consciência humana pelo uso indiscriminado dos recursos naturais. Jim Lovell, Astronauta e Capitão da Apollo 13 que mais tarde foi interpretado por Tom Hanks nos cinemas, aparece no filme interpretando a si próprio em uma cena com Bowie. Essa e outras curiosidades e ousadias tornam o filme uma pérola a ser descoberta (ou redescoberta!) por fãs de David Bowie e a boa ficção científica. Lembro do filme em VHS na década de 90 quando finalmente o descobri em uma locadora. O que mais me marcou era a mensagem e as imagens surreais que o filme transmitia.

Cartaz do filme que acabou
virando capa do álbum Low.
Bowie interpreta aqui um alienígena que "cai" na Terra em busca de recursos naturais. Oculto sob o pseudônimo de Thomas Jerome Newton, o alienígena começa aplicando pequenos golpes pra angariar dinheiro pra seguir seu plano. Logo acompanhamos o personagem encontrando o advogado de patentes Oliver Farnsworth (Buck Henri) e descobrimos que Newton quer juntar dinheiro fundando uma empresa com patentes revolucionárias, obviamente oriundas de seu planeta de origem e muito mais avançadas que qualquer tecnologia humanamente conhecida. Vale notar mais uma referência nessa cena: a música que toca ao fundo é a Suíte dos Planetas, o trecho Mars, Bringer of War & Venus, Bringer of Peace, mais uma menção à origem alienígena de Newton.

Do dia pra noite, Newton e Farnsworth criam a empresa mais lucrativa do mundo, a Appl... (ops!) World Enterprises, e revolucionam o mercado com suas novas patentes tornando as concorrentes obsoletas. Logo o espectador fica sabendo que Newton quer angariar recursos pra construir uma nave pra voltar e salvar sua raça. Sua predileção por água pura e dificuldade na adaptação aos costumes humanos o forçam a permanecer recluso até o momento em que ele decide ir ao local onde "caiu" com sua nave na terra, no Novo México. Lá ele conhece a bela Mari Lou (Candy Clark) que acaba aos poucos apresentando o pior da humanidade ao ingênuo Newton. Aqui o filme tem uma semelhança muito interessante com o clássico de Robert A. Heinlein, Um estranho numa Terra estranha. As semelhanças entre a inocência de ambos os protagonistas é o que move ambas as tramas apesar de aqui a mensagem e o tom não contarem com o humor do texto de Heinlein.

Newton e seu emblemático chapéu...

Newton inspecionando as instalações da World Enterprises.
O Homem que caiu na Terra surpreende por trazer um alienígena literalmente alienado, uma figura desconexa na Terra, um Ícaro que tentou voar até o Sol e caiu por se aproximar demais do seu objetivo. Metáfora essa que reverbera em vários momentos no filme, inclusive com a presença da pintura de Bruegel "Landscape with the Fall of Icarus". O interessante é que o alienígena chega com nobres intenções mas acaba se corrompendo com a humanidade ao longo do filme. Ao invés de mostrar um alienígena tradicional de Hollywood, malvado e sistemático ou bonzinho e salvador, Bowie entrega um alienígena frágil física e mentalmente que acaba se alienando do mundo a sua volta e de sua missão original. O fracasso do personagem nada mais é que uma demonstração de como a humanidade tende a corromper não apenas o meio ambiente mas também o individuo.

A raça de Newton já observava a Terra há muito tempo, eles sabiam que a humanidade era capaz de esgotar seus próprios recursos naturais e isso dá o tom da tragédia da missão do alienígena: resgatar recursos e nos ajudar a gerenciar o que temos antes que acabemos com nosso próprio planeta. Todavia, a ganância das corporações concorrentes e a própria alienação do protagonista acabam por desfazer as nobres intenções. São poucos os flashbacks com o mundo natal de Newton mas todos são contundentes por mostrar o fracasso da missão dele. Talvez se ele obtivesse sucesso em ao menos manter o controle de sua empresa e teríamos um futuro parecido com o mostrado no clássico "Eles vivem!" de John Carpenter onde alienígenas controlam a humanidade sem seu conhecimento através da manipulação da mídia.

A aparência original do alienígena.

Newton, cada vez mais alienado, e suas muitas TVs.
O Homem que caiu na Terra é disparado meu filme favorito de Bowie. É ao meu ver o filme em que o Camaleão do Rock mais se assemelha aos personagens de suas músicas e uma grande ironia/tristeza é saber que o filme não conta com seu talento na composição da trilha sonora por uma questão de direitos autorais. Com uma mensagem trágica e comovente, O Homem que caiu na Terra é um filme ousado, tanto na forma como no conteúdo e merece ser assistido e redescoberto pelo público de hoje, fãs de ficção científica e/ou do grande David Bowie.

O filme é baseado no livro de Walter Tevis que, ainda em 2016, será publicado no Brasil pela Darkside Books. Vale ressaltar que essa resenha foi escrita apenas baseada no filme, o livro eu nunca li mas até onde pesquisei, o autor aprovou a adaptação para os cinemas. Quanto ao filme, resta torcer agora que alguma distribuidora acompanhe a Darkside e decida relançar o filme no Brasil (cof... Versátil... cof!), com certeza ele merece!



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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.