14 de outubro de 2016

The man who sold the world

O Homem que caiu na Terra e seu marcador.
O Homem que caiu na Terra de Walter Tevis é uma obra peculiar. O livro foi adaptado aos cinemas por Nicolas Roeg em 76, 13 anos depois de sua publicação, e contava com ninguém menos que David Bowie no papel de Thomas Jerome Newton, literalmente o homem que caiu na Terra do título. Considero que livro e filme partem do mesmo ponto, com o mesmo Thomas Newton. A alienação natural de Bowie nas telas, provavelmente efeito das viagens nas drogas na época das filmagens, deu ao protagonista uma decadência extremamente convincente, autêntica, algo que enriquece a adaptação e dá outra dimensão ao texto em que se baseia o filme. O antheano no livro é descrito com cabelos prateados, cacheados, e uma pele levemente bronzeada, a única semelhança com Bowie está na altura e na compleição física, ambos são muito magros. Ainda assim não consegui ter outra imagem de Thomas que não a de Bowie em minha mente, dada a marca que a interpretação dele deixou em minha mente. A capa da primeira edição nacional do livro, publicada pela Darkside Books, ajudou a manter essa impressão já que traz o Camaleão do Rock em destaque, algo que considero justo, já que filme e livro caminham juntos no meu imaginário e acredito que no de muitos outros fãs.

Uma bela tradução.
Confesso que nunca havia lido o livro de Walter Tevis até ter em mãos a edição da Darkside. Meu contato foi com o filme de Bowie através de um VHS numa locadora de minha cidade nos anos 90. Sempre considerei o filme como um de meus favoritos apesar de não parecer em nada com o que eu tinha como ficção científica até então. Apesar de contar com o mesmo produtor de Blade Runner, o filme é uma ficção científica que fala de temas diferentes, mais próximos da humanidade de hoje como o abuso dos recursos naturais e consciência ecológica. Os antheanos acabaram com os recursos naturais de seu planeta e nós estávamos fazendo o mesmo com os nossos, a diferença de O Homem que caiu na Terra pra outras ficções com esse tipo de mensagem está no que fazemos com aquele que quer apenas salvar seus semelhantes e isso sempre foi o que mais me marcou no filme e que com o livro, ganhou outra dimensão. Enquanto no filme vemos Newton se deixar corromper pelos vícios e valores humanos, no livro temos Newton se deixar levar pelo desgosto e amargura, como se nem os antheanos, tampouco os humanos, merecessem salvação.

Poster da restauração do filme em 4K.

A jornada de Newton começa no Kentucky, logo após sua chegada na Terra. Aplicando pequenos golpes, ele junta dinheiro o suficiente pra encontrar o advogado de patentes Oliver Farnsworth e assim começa seu plano fundando a World Enterprises, uma empresa que entrega ao mundo novas patentes revolucionárias em várias áreas do conhecimento, rendendo muito dinheiro aos envolvidos. As diferenças entre livro e filme começam quando surge o Professor de Química Nathan Bryce que no filme é apresentado como um cafajeste interesseiro que desenvolve um súbito interesse pela World Enterprises e no livro é apresentado como um sujeito amargurado, um professor cansado do ambiente universitário, desiludido com a idade e viúvo, alguém que apela pro álcool como válvula de escape de seu mundo enfadonho e que também acaba se interessando pelas surpreendentes inovações tecnológicas da World Enterprises. O plano de Newton consiste em juntar recursos com sua empresa pra construir uma nave que no filme visa levar recursos naturais ao seu planeta natal, Anthea, enquanto no livro visa trazer todos os antheanos sobreviventes pra Terra. Tanto no livro como no filme, são os humanos que guiam Newton pela trama, principalmente Bryce e Betty Jo (Mary-Lou no filme). Tanto no livro como no filme, é Betty quem introduz Newton ao vício do álcool, a diferença é o tom do relacionamento entre os dois, no livro algo platônico, no filme, Mary-Lou se torna mais um objeto no mundo de Newton.

Parabéns à Darkside pelo capricho! Os fãs agradecem!
É interessante notar que em ambas as mídias é Bryce quem leva Newton ao extremo: seja corrompendo o alienígena ou contaminando com sua amargura. No livro os recursos naturais também são levados em conta mas é o medo da guerra nuclear que mais assusta o alienígena já que uma guerra semelhante devastou Anthea. Ao perceber que seguimos o mesmo rumo com a nossa civilização, Newton começa a desenvolver uma espécie de cinismo quanto ao seu propósito, a salvação dos últimos antheanos e da humanidade. Walter Tevis guia o leitor nessa jornada e faz com que sintamos toda a estranheza e desgosto de Thomas Newton a cada momento de sua relação com os seres humanos. A tragédia de Newton tem sua maior metáfora no mito de Ícaro, da mesma forma que no filme, ainda que com um desenvolvimento diferente do livro. O Homem que caiu na Terra é uma grande obra, um clássico que discute a humanidade em sua essência e que foi belamente adaptado aos cinemas, mantendo a mesma discussão sobre a humanidade com o mesmo nível, ainda que sob outro prisma. Finalmente tive o prazer de conhecer o livro que inspirou esse filme que é um dos meus favoritos e que agora me revelou um livro igualmente fascinante. Recomendo a todos a leitura, principalmente agora com a edição caprichada da Darkside Books, com um acabamento gráfico fantástico, cheio de referências ao filme e ao seu astro, David Bowie, literalmente O Homem que caiu na Terra.

Se você deseja saber mais sobre o filme de Nicolas Roeg, confira a resenha do Sentinela!

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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.



12 de outubro de 2016

Histórias de ninar de galáxias distantes

Boa noite, Darth Vader!
Não conheço uma viva alma que não tenha ouvido uma canção ou história de ninar quando criança. Também não conheço ninguém que nunca tenha ouvido falar em Star Wars. Dito isso, Boa noite, Darth Vader de Jeffrey Brown, publicado pela primeira vez no Brasil pela Editora Aleph, vem em boa hora, tanto pra pais que querem ler uma história de Star Wars pra seus jovens filhos como pra adultos como eu que não se cansam de Star Wars e se encantaram com Darth Vader e filho e A princesinha de Vader, do mesmo autor, também publicados pela Aleph. Quando resenhei esses livros ano passado, a dica era pra presentar no dia dos pais, hoje, Boa noite, Darth Vader vem como sugestão pro dia das crianças. Acredito que na verdade os 3 livros agradam a todas as idades tanto quanto um Calvin e Haroldo ou uma Mafalda agradam jovens e adultos. Você pode ler os quadrinhos de Brown com os olhos de uma criança e se divertir com as situações engraçadas que Luke, Leia e seus amigos aprontam tanto quanto pode ler com os olhos de Vader no papel do pai que tem que lidar com as travessuras de seus filhos.

E a história começa...
Em Boa noite, Darth Vader o formato tradicional das tiras cede espaço ao formato dos livros infantis, daqueles pensados justamente em histórias pra ninar. Cada quadro traz uma frase, ocasionalmente uma fala dos personagens mas sempre com rimas calmas e tranquilas, sempre fazendo referência à hora de dormir. E não precisa se preocupar com referências, todos os filmes de ambas as trilogias tem sua vez em Boa noite, Darth Vader, pode contar até mesmo com a presença de Jar Jar Binks! Ficam aqui os elogios à arte do autor que continua primorosa como destacado na resenha dos primeiros volumes da série. Cabe reconhecimento também ao tradutor Mateus Duque Erthal que conseguiu manter as rimas funcionando na versão brasileira, um desafio e tanto se pensarmos na dificuldade de se traduzir (e manter) rimas. A edição da Aleph mantém o mesmo capricho das anteriores e também merece todos os elogios no acabamento, impressão e letreiramento. Se você tem filhos, sobrinhos ou é mais um fã de Star Wars que se encanta com tirinhas como Calvin e Haroldo ou Mafalda, Boa noite, Darth Vader é pra você!


Até mesmo Sebulba tem sua vez...


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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.

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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

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8 de outubro de 2016

Cromo, neon e referências

Edição especial de 30 anos.
Inteligências artificiais são lugar comum na ficção científica. Robôs como os de Asimov ou Computadores como Hal 9000 no 2001 de Arthur C. Clarke dividiram as atenções com androides como C3PO de Star Wars ou mesmo o simpático Robbie de Planeta Proibido. A computação muitas vezes era restrita a terminais e comandos de voz como visto muitas vezes na série clássica de Jornada nas Estrelas ou mesmo armários com várias luzes piscantes, formulários contínuos e vários bips como visto em tantos filmes de ficção científica até os anos 70. Tudo que precisávamos saber era que computadores processavam informações, sabe-se lá como. A informática era importante mas sempre coadjuvante nas tramas até que filmes como Tron em 1982 ousaram mostrar, ainda que de forma bastante ingênua, as possibilidades criadas por uma rede de computadores, um mundo virtual paralelo ao nosso. No mesmo ano, Ridley Scott lançava Blade Runner, um filme inovador, esteticamente povoado por referências, com uma trama remetendo ao cinema noir, corporações e muito neon mas ainda com influências definidas em movimentos já existentes. Com autores como Philip K. Dick e Kurt Vonnegut mostrando outras perspectivas da ficção científica, distantes de Asimov e Clarke, algo novo estava prestes a surgir. Rollerball de Norman Jewinson trazia aos cinemas um esporte violento moldado por regras corporativas em um futuro em que o esforço individual era minado por corporações. Alien de Ridley Scott trazia uma tripulação dada como descartável pela inteligência artificial que controlava a Nostromo e que atendia os desígnios de uma corporação inescrupulosa. Era hora de acontecer algo novo na ficção científica e esse algo novo surgiu de um grupo de autores no Texas, grupo encabeçado por William Gibson, Bruce Sterling e John Shirley. E tudo começou com o trabalho de Gibson em contos como Johny Mnemônico e Cromo Queimado e que foi cristalizado com sua obra-prima, Neuromancer.

A capa da nova edição da Aleph por Josan Gonzales, simplesmente linda.

Capa do jogo de 89 lançado pela Interplay.
Em 1984, Neuromancer definia os padrões estéticos e formais que viriam a caracterizar todo o estilo Cyberpunk: o padrão high tech, low life, o indivíduo oprimido pelas corporações, o governo perdendo sua autonomia perante grandes conglomerados, muito neon, cromo, mistura de culturas ocidental e oriental e principalmente, o ciberespaço e a matrix. Neuromancer entregou tudo isso e muito mais numa trama intensa, cheia de reviravoltas e com uma riqueza descritiva sem igual. Aqui saem de cena os robôs comandados pela lógica de um Asimov ou os mistérios e maravilhas futuristas de um Arthur C. Clarke e entra a sarjeta neon estilizada, frequentada por párias com suas próteses tecnológicas, a Yakuza, samurais de rua e os cowboys do ciberespaço. O próprio termo ciberespaço surgiu antes em Cromo Queimado, conto de Gibson publicado no Brasil pela Editora Aleph na Edição Especial de 30 anos de Neuromancer e que também trouxe o conto Johny Mnemônico onde o autor introduzia a samurai de rua Molly. Neuromancer juntou todos os elementos pendentes no ar que Gibson já havia trabalhado em seus contos. Em seu livro não temos um mundo virtual fantasioso como a grade em Tron, tampouco computadores prontos pra atender comandos de voz ou mesmo imprimir quaisquer resultados aleatoriamente em um formulário contínuo, aqui temos máquinas complexas, tecnologias como os decks de acesso à matrix, acessórios como o simstim que permitem o usuário dividir a consciência com outra pessoa e outros tantos dispositivos computacionais altamente sofisticados e com suas funcionalidades devidamente descritas pelo autor. Nada de servos eletrônicos prontos pra atender seus senhores com um mero comando de voz, aqui os personagens tem que interagir com a matrix em seus decks, quebrar virtualmente um ICE dentro do ciberespaço e roubar dados em servidores monitorados por inteligências artificiais altamente desenvolvidas.

Chiba City na adaptação cancelada
mas podia muito bem ser a
Los Angeles de Blade Runner
.
Blade Runner pode ter apresentado um futuro noir em que Los Angeles lembrava visualmente Chiba City ou o Sprawl ou em que a Tyrrel Corp. lembrava cenários como a torre da Sense Net mas por mais inovador que Blade Runner tenha sido nas telas, ainda faltou o toque computacional que Neuromancer trouxe à cultura pop. Os protagonistas Deckard e Case tem em comum o fato de serem caras comuns, bons no que fazem em um mundo que pouco se importa com eles, o típico papel do cara errado na hora e lugar errados que levam adiante toda boa trama noir. Blade Runner tem uma influência estética inquestionável em Neuromancer mas é na cibercultura que a obra de Gibson se diferencia dentro da ficção científica. A trama envolve o cowboy do ciberespaço Case que leva uma vida decadente em Chiba City depois que seus antigos contratantes sabotaram sua capacidade de entrar na matrix quando ele tentou se dar bem em cima deles. Desde então Case queima suas economias em Chiba City numa tentativa vazia de reabilitar suas capacidades em clínicas ilegais ou morrer na sarjeta levado de vez por seus muitos vícios. É quando Case está quase no fundo do poço que ele conhece Molly, a samurai de rua que já havia aparecido no conto Johny Mnemônico, que salva sua vida e oferece a ele uma oportunidade de recuperar suas habilidades, contanto que aceite trabalhar com seu empregador, o misterioso Armitage. Daí em diante os mistérios e as reviravoltas aumentam numa espiral envolvendo uma corporação secular, inteligências artificiais, muito neon, muito cromo, uma estação espacial e até mesmo dubstep jamaicano. O mistério envolvendo Armitage, quem ou o que é Wintermute, quem está por trás da Tessier-Ashpool e qual o propósito de todos os personagens serem colocados nessas situações são os motivadores dessa trama cheia de idas e vindas. A trama pode soar excepcionalmente descritiva pros leitores de hoje mas toda a prosa foi pensada em prol da construção desse mundo complexo nos mínimos detalhes. Experimente pesquisar no Google por imagens vinculadas ao termo Neuromancer e você verá as muitas interpretações visuais da obra de Gibson, uma mais fantástica que a outra.

A Sense Net como seria na adaptação cancelada para os cinemas.

Edição de 91, da coleção Zenith.
É fato que Neuromancer é um romance histórico, culturalmente relevante e indispensável na biblioteca de qualquer fã de ficção científica mas há que se lembrar que mais de 30 anos depois da publicação de Neuromancer o próprio Cyberpunk precisou se reinventar. Não existem mundos virtuais paralelos como a matrix, não existe ainda conectividade entre homem e máquina e mesmo quando a tecnologia surgir, definitivamente não será feita por meio de cabos. Constructos como Dixie Flatline ainda estão muito distantes da nossa realidade, por mais interessante que o conceito seja. Não temos ainda uma mistura de culturas ocidentais e orientais, não temos a Yakuza comandando a máfia nem samurais de rua andando por aí, o inglês ainda é o mais próximo de um idioma universal. Mas isso não quer dizer que não temos uma cibercultura com a internet nem que não estamos o tempo todo conectados no mundo paralelo das redes sociais, tampouco podemos negar que vivemos em um mundo onde as corporações mudam o destino de países inteiros. Isso significa que apesar de Gibson não ter previsto o smartphone ou mesmo conexões sem fio, ele conseguiu descrever um mundo ficcional com ideias muito próximas da nossa realidade, ainda que num contexto fantástico. Se não temos a matrix, temos a internet, temos a cultura dos memes e as relações virtuais, temos o mundo paralelo das redes sociais, a cultura hacker e os hackivistas e muitos outros fatores que lembram muito os conceitos mostrados por Neuromancer. A Trilogia do Sprawl pode ter elementos datados mas é inegável que Neuromancer e suas sequências, Count Zero e Mona Lisa Overdrive, marcaram a cultura pop e a literatura de ficção científica. Se hoje temos séries como Mr. Robot, filmes como Estranhos Prazeres, animes / mangás como Ghost in the Shell ou jogos como Deus Ex, RPGs como Cyberpunk 2020 e outros tantos exemplos, tudo se deve ao trabalho criativo de Gibson e seus amigos autores que levaram o Cyberpunk da cultura alternativa ao mainstream.


 As sequências, Count Zero e Mona Lisa Overdrive

Neuromancer e William Gibson tem história no Brasil. Além de uma das inteligências artificiais do livro estar situada no Rio de Janeiro, o livro vem sendo publicado no Brasil desde os anos 90 pela Editora Aleph em edições revisadas e muito estilizadas. Tive o privilégio de ler todas as edições, desde a primeira publicada na coleção Zenith em 91 às edições comemorativas de 25 e 30 anos e a mais recente, com a estilosa capa do espanhol Josan Gonzales. Destaco a edição de 30 anos pelos extras com os contos Johny Mnemônico, Cromo Queimado e New Rose Hotel: contos que abriram o caminho criativo pra Gibson conceber o Sprawl em Neuromancer. As sequências, Count Zero e Mona Lisa Overdrive, também foram publicadas pela Editora Aleph e ganharão novas edições com arte de Josan Gonzales nas capas em breve. Se você ainda não conhece o Sprawl ou a matrix de Neuromancer, aproveite. A viagem vale cada centavo.


</Curiosidades\>

Imagem do projeto cancelado de Leary.
* Timothy Leary, o guru do LSD, era um grande admirador de Neuromancer e tentou nos anos 80 produzir um jogo pra computadores baseado em Neuromancer, jogo que traria uma experiência inovadora pra época e traria grandes participações mas que acabou não saindo do papel. Anos depois Leary vendeu os direitos pra Interplay que fez um bom jogo mas sem muita relação com a trama original do livro. Você pode saber mais sobre essa história na matéria original da Wired e nesse artigo do The Verge, ambos em inglês. Cheguei a jogar o adventure da Interplay em 99 mas nunca terminei, do pouco que recordo, o jogo traz muito pouco do livro, apenas Case, Molly e Wintermute. Era um bom adventure mas um tanto cansativo, provavelmente motivo pra eu ter largado jogo. Um curiosidade: a trilha sonora é da Devo. Você pode baixar o jogo da Interplay aqui. Fica a torcida pro Good Old Games (GOG) portar o jogo pros sistemas operacionais atuais.

Página da Graphic Novel.
* Neuromancer ganhou uma graphic novel em 89 publicada pela extinta Byron Priess desenhada por Bruce Jensen e adaptada por Tom de Harven. A série adaptou as duas primeiras partes do livro mas não chegou a ser concluída. Você pode ler a HQ em inglês aqui. A arte e contextualização recomendam a leitura, principalmente pra quem não conseguiu mentalizar as descrições do autor no livro. Gibson recentemente escreveu um série em quadrinhos chamada Archangel, publicada pela IDW nos EUA. Você pode saber mais sobre Archangel e o projeto inacabado de Neuromancer nessa entrevista do autor ao Newsrama.

* Uma adaptação aos cinemas de Neuromancer circula por anos entre estúdios mas nenhuma tentativa foi adiante. Em 2011 artes e um roteiro chegaram a ser produzidos quando o diretor Vincenzo Natali (Cubo, Splice) estava ligado ao projeto. Você pode ver as artes da adaptação de Natali de Neuromancer e de outros filmes cancelados do diretor nesse artigo do Slash Film ou na matéria da Heavy Metal. Hoje o projeto continua nas mãos da produtora GFM mas sem diretor. Natali dirigirá o episódio piloto de Star Trek Discovery.

Johny Mnemonic ou Neo?
* Johny Mnemônico ganhou as telas do cinema em 95 depois de o projeto de um filme independente roteirizado pelo próprio Gibson não conseguir os recursos pra sair do papel. Com isso o filme do novato Robert Longo ganhou vida nova como uma grande produção protagonizada por Keanu Reeves. Várias alterações foram feitas tornando Johny o protagonista da ação, alterando o papel de Molly para uma nova personagem chamada Jane. O filme é interessante em alguns momentos e mostra vários dos conceitos criados por Gibson na trilogia do Sprawl mas não empolga os fãs depois de tantas alterações feitas pelo estúdio. Vale como registro, da mesma forma que a adaptação do conto New Rose Hotel de Abel Ferrara, essa sem envolvimento direto de Gibson. Anos mais tarde, Keanu Reeves protagonizaria Matrix, um filme muito mais interessante e relevante ao Cyberpunk.

* Anos depois do lançamento de Neuromancer, muitos fãs enxergam Alien de Ridley Scott como um bom exemplo de Cyberpunk. O filme conta com personagens descartáveis na visão da inteligência artificial da Nostronomo, o computador chamado pela tripulação de "mãe". Todos são vistos pela corporação Weyland Yutani como um meio pra se chegar ao xenomorfo. Temos uma IA atendendo os desígnios de uma corporação, protagonistas vivendo à margem da sociedade sendo tripulantes de um simples rebocador de petróleo espacial, enfim, vários elementos que mais tarde seriam caracterizados como essenciais ao Cyberpunk. A ironia é que em 87 William Gibson foi contratado pra fazer o roteiro de Alien 3, roteiro que teria colocado Ripley em coma e deixado o papel principal pra Hicks e o androide Bishop que teriam que enfrentar uma infestação xenomórfica numa estação espacial onde a Weyland Yutani fazia experimentos genéticos com os aliens. O filme acabaria com Bishop sugerindo que eles deveriam descobrir o planeta natal dos xenomorfos e erradicar a ameaça de uma vez por todas. No roteiro de Gibson, Ripley é enviada em coma pra Terra e uma nova força se apresenta, a UPP, uma espécie de União Soviética do futuro e que também acaba fazendo experiências com o xenomorfo, experiências essas que naturalmente dão errado. Partes desse roteiro acabaram influenciando a sequência em quadrinhos publicada anos mais tarde pela Dark Horse Comics mas que também acabaram sendo ignoradas quando Alien 3 foi finalmente produzido. Você pode saber mais sobre o roteiro cancelado de Gibson na AVP Wikia ou se quiser, ler o roteiro na integra aqui. Vale a pena aos fãs da série Alien, o roteiro era bem interessante.

Estranhos Prazeres.
* Uma das melhores inspirações cinematográficas em Neuromancer é o filme Estranhos Prazeres de 1995 dirigido por Kathryn Bigelow e produzido / roteirizado por ninguém menos que James Cameron. O filme traz um futuro não muito distante em 1999 onde um dispositivo muito parecido com o simstim de Neuromancer é usado pra criar squids: gravações de experiências vividas por outras pessoas que o usuário pode reviver depois numa espécie de realidade virtual. Você pode ter uma gravação de uma experiência sexual e vivê-la em primeira pessoa, tal como o simstim de Neuromancer. O protagonista Lenny Lero (Ralph Fiennes) contrabandeia (e usa) squids com essas experiências até o dia em que se depara com a gravação do assassinato de uma prostituta onde deveria haver uma gravação casual. A trama leva Lenny a se envolver com Lornette (Angela Bassett), uma personagem muito parecida com a samurai de rua Molly de Neuromancer, que o ajuda a descobrir o segredo por trás do squid com o assassinato. A semelhança de ambientações, linguagem, os personagens e como o mundo virtual e os vícios digitais são retratados fazem de Estranhos Prazeres o filme mais próximo de uma obra de Gibson levada aos cinemas. Considero uma homenagem de muito bom gosto num dos poucos casos que James Cameron não copiou ao pé da letra ideias de outros lugares. Infelizmente o filme não foi bem nas bilheterias e dividiu a crítica na época, o reconhecimento veio com o passar dos anos, principalmente pelos fãs. Kathryn se tornou a primeira diretora a ganhar um Saturn Awards com o filme.


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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.

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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

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