19 de julho de 2016

Mr. Cyberpunk

A primeira temporada de Mr. Robot em DVD pode ser encontrada
no Brasil em sites como o da Livraria Cultura. Você também pode
assistir a todos os episódios em inglês no site docanal USA
A ficção Cyberpunk mudou muito desde o lançamento de Neuromancer de William Gibson em julho de 84. Antes com Blade Runner e Tron, em 82, a semente pro desenvolvimento do gênero estava plantada e logo floresceria em grandes obras como Snow crash de Neal Stephenson e A Máquina Diferencial de Bruce Sterling e William Gibson, ambas já publicadas no Brasil pela Editora Aleph. De lá pra cá, os clássicos do gênero não parecem ter envelhecido tão bem. As cidades não ocupam continentes inteiros, não existem samurais de rua andando por aí, traficantes de dados, realidade virtual ou mesmo acessos pra plugues P2 na base de nossos cérebros. Na verdade, pensando comparativamente, hoje Neuromancer enquanto ficção está quase tão próximo da fantasia e do escapismo quanto Tron se apresentava em 82 ou o RPG Shadowrun na década de 90. A verdade é que, apesar de ser um grande romance, Neuromancer falhou em prever tecnologias como o celular, a internet sem fio e outras como o próprio William Gibson já reconheceu em inúmeras ocasiões. Ficaram de sua obra o estilo, a estética, o flerte com o cinema noir, algo já visto em Blade Runner, a ideia de grandes corporações sufocando o indivíduo e que o controle da própria vida é apenas uma ilusão, elementos esses que tornam o livro o clássico elementar que ele é.

Neuromancer de William Gibson e sua nova capa por
Josan Gonzalez
Ainda assim, o Cyberpunk não perdeu sua importância, apenas diminuiu o ritmo até se reinventar aqui e ali em obras cuja essência ainda traz muito de Neuromancer mas sem o comprometimento com os rumos que a tecnologia atual vem apresentando. Claro que temos exemplos excepcionais como o mangá/anime Ghost in the Shell e filmes como Matrix e Estranhos Prazeres que mantém o alto padrão das ficções Cyberpunk trazendo um novo fôlego ao gênero. O problema é que a cada Matrix nos cinemas, 10 filmes como A Rede traziam uma interpretação pra lá de equivocada da computação e do futuro virtual. Enquanto temos jogos como Deus Ex que trazem o Cyberpunk com questões próximas a da nossa realidade futura, também temos equívocos como Watch_Dogs que prometem uma ficção mais séria mas acabam entregando um escapismo na forma de jogo de ação nos mesmos moldes de um GTA só que com um hacker protagonizando. Nos últimos anos, na literatura, é ainda menor o número de exemplos de obras que dialogam com a realidade tecnológica de hoje e abordam temas realmente relevantes. Cyberstorm de Matthew Mather, também publicado no Brasil pela Editora Aleph, surgiu como uma promessa excepcional mas acabou frustrando os leitores com uma excelente premissa sobre segurança cibernética e a possibilidade real de ciberataques terroristas que infelizmente acaba perdendo muito da sua força no fechamento do livro.

Cyberstorm: uma ideia brilhante,
a execução nem tanto...
Foi enquanto lia Cyberstorm e me fascinava pela premissa do livro que descobri a série Mr. Robot. Na época, a primeira temporada estava estreando no Brasil no canal Space e eu tinha tomado Cyberstorm como a leitura do Sentinela. Resenhar o livro não seria fácil uma vez que a decepção com o final apresentado por Matthew Mather baixou um pouco do meu encanto com a obra, deixando minha expectativa pelo gênero um tanto quanto reduzida. Mr. Robot veio na hora certa pra renovar meu ânimo com o Cyberpunk, revigorando o estilo com uma abordagem mais atual e realista do impacto da tecnologia na sociedade contemporânea. Em Mr. Robot temos indivíduos fora dos padrões, "outcasts" por assim dizer, temos uma corporação que aparenta controlar tudo e todos, um governo fantoche que transmite uma ilusão de ordem e controle e temos tecnologia, muita tecnologia em todos os cantos em um mundo que de tempos em tempos flerta com uma paleta de cores próxima ao neon sugerido em Neuromancer mas sem que se torne algo cafona ou mesmo fantasioso. Temos celulares, wi-fi e nenhuma realidade virtual fantástica, aqui os hackers usam scripts baseados em unix, algo que é usado no mundo real, dentro de um contexto concreto e sem abstrações estéticas.

Elliot, o protagonista
Criada por Sam Esmail depois de 15 anos preparando e pesquisando com especialistas material pra um longa-metragem que virou série, Mr. Robot conta com o talento do ator Rami Malek como o protagonista Elliot Alderson. Elliot se apresenta ao espectador como um hackivista logo no início da série, um hacker com boas intenções por assim dizer, alguém que usa as habilidades em prol de uma causa supostamente nobre. Logo o espectador fica sabendo que no dia-a-dia ele é um especialista em segurança cibernética e tem uma série de distúrbios psicológicos que ele supostamente trata em sessões com sua psicanalista. Elliot dialoga com o espectador o tempo todo de uma forma direta e intimista, algo devidamente discutido mais a frente ainda na 1ª temporada. É assim que o protagonista apresenta seu mundo e os coadjuvantes que nele habitam. E que elenco de apoio! De personagens como seu chefe na All Safe, Gideon (Michel Gill) a sua colega/amiga de infância Angela (Portia Doubleday) ou sua psicanalista Krista (Gloria Reuben), a  traficante Shayla (Frankie Shaw) que fornece a Elliot sua dose mínima de morfina, todos esses personagens tem um papel, profundidade e dramas pessoais apesar de o tempo todo orbitarem a vida de Elliot. Esse é apenas o mundo do protagonista no começo da série já que ao longo do primeiro episódio somos apresentados ao enigmático Mr. Robot, personagem que abrirá novos horizontes ao protagonista e trará novos integrantes à já complexa trama.

O enigmático Mr. Robot confronta Elliot
Evil Corp em suas muitas formas
Mr. Robot, estilosamente interpretado por Chirstian Slater, aborda Elliot com um projeto que visa derrubar a maior corporação do mundo, a E-Corp, convenientemente apelidada por Evil Corp, a princípio uma empresa como a Apple ou o Google mas que logo percebemos ter muitas outras divisões, principalmente no mercado financeiro. A E-Corp podia figurar qualquer romance clássico do Cyberpunk já que controla a vida das pessoas bem como as grandes corporações mostradas nos clássicos. A revolução proposta por Mr. Robot e seu grupo hackvista da f*society conta com Elliot pra atingir seus objetivos e é aí que o hackivismo de Elliot deixa de se limitar a ajudar a comunidade que o cerca pra atingir uma escala global. A partir daí a série assume um crescendo ininterrupto, sem pausas pra que o espectador sinta todo e qualquer choque nas atitudes de Elliot e nas revelações envolvendo os segredos de Mr. Robot e da E-Corp. Contar mais seria entregar uma série de spoilers que estragariam as muitas surpresas que a série traz na sua primeira temporada e acredite, você não vai querer perder nenhuma das surpreendentes reviravoltas que a série apresenta nos seus 10 episódios.
f...society!
O capricho com os detalhes impressiona: cada episódio é nomeado com uma extensão de formato de vídeo como ,avi, .flv e outros, a trilha sonora é vendida em CDs com a arte escrita a mão lembrando os CDs que Elliot cria na série com os dados de quem ele hackeou, mesmo a fonte utilizada na logo do seriado é a mesma usada na icônica Battlestar Galactica em 78. Com elementos que lembram obras complexas como Clube da Luta de Chuck Palahniuk, publicado no Brasil pela Leya, os clássicos essenciais do Cyberpunk e ouso dizer, uma pitada de elementos de Philip K. Dick de obras onde o protagonista questiona sua relação com a realidade como Um reflexo na escuridão e Fluam minhas lágrimas, disse o policial (ambos publicados pela Editora Aleph), Mr. Robot é uma série excepcional. Uma série atual, que não necessariamente se apresenta como futurista mas ilustra ricamente as possibilidades de um futuro imediato e que merece ser assistida. Você pode assistir a primeira temporada no Brasil em DVD, no box lançado pela Universal e acompanhar a 2ª temporada que estreou no último dia 15 no canal Space. O Sentinela recomenda!

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O Sentinela Positrônica é um Blog parceiro da Editora Aleph
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.