11 de abril de 2016

Eles estão entre nós

*Resenha feita durante a Mostra Sci-Fi no MIS realizada entre 11 e 15 de abril no Museu da Imagem e do Som de Campo Grande, MS.

Poster de Eles vivem
Em 1987 o presidente dos Estados Unidos era Ronald Reagan. A filosofia dele era a de que enquanto os ricos estivessem bem, o povo estaria bem e essa era a propaganda vendida ao povo norte-americano. Todos poderiam, com muito esforço e dedicação, ter o seu lugar ao sol, era uma questão de tempo e esforço. Chocado com essa política ilusória e inspirado por uma HQ lançada em 1986, John Carpenter decidiu escrever, produzir e dirigir o cult Eles vivem em 1987. O filme tem uma pegada assumidamente trash, típica dos filmes B com temáticas envolvendo a paranoia comunista na imagem de invasores alienígenas. A escolha de locações, elenco e produção não podiam ser mais realistas, tudo envolvia mostrar as ruas de uma grande cidade, assoladas pelo desemprego e pobreza nas zonas mais remotas enquanto no centro, apenas a nata desfrutava da boa vida.

Roddy Piper, mais conhecido na época no Brasil como o "gaiteiro" das lutas de WWE, interpreta John Nada. Um homem comum, nenhum galã, apenas um sujeito acostumado a trabalho braçal, um protagonista que poderia ser qualquer um nas ruas, sem estudo ou sofisticação e que logo no começo do filme está migrando pra cidade grande em busca de emprego já que, no interior, as fábricas fecharam e ele não encontra mais oportunidades. John ainda acredita no "american way", ele acha que estão apenas vivendo uma fase ruim mas nem por isso ele se renderia. Tão logo ele chega e logo percebe que ele é só mais um desempregado entre tantos e logo ele acaba numa comunidade que mais se assemelha a uma favela onde ele conhece Frank, interpretado por Keith David. Frank e John são trabalhadores braçais que se encontram na mesma situação, migraram de suas cidades atrás de uma oportunidade melhor no grande centro. Ao contrário de John, Frank acredita que a vida é uma corrida onde a única opção é vencer e é bom que ninguém fique em seu caminho pois ele está disposto a ganhar.

John Nada interpretado por Roddy "o gaiteiro" Piper
Assim como aconteceu em Detroit, Flint e outras tantas cidades em Michigan, várias montadoras fecharam migrando para o México e outros países onde a mão de obra era muito mais barata, ocasionando com isso o empobrecimento dessas comunidades. Robocop de Paul Verhoeven é um filme que aborda esse aspecto em Detroit, Roger e eu de Michael Moore mostra a desolação em Flint após a saída das grandes montadoras. Eles vivem mostra essa desolação de uma forma figurada através de uma grande ironia: e se na verdade os ricos que dominam os meios de produção e a política fossem na verdade alienígenas nos manipulando enquanto preparam terreno pra dominação completa do planeta? O filme sugere que somos condicionados a obedecer, consumir e trabalhar, que o pensamento de pessoas como Frank é saudável, que tudo não passa de uma corrida em que temos que dar o nosso melhor sempre e que o prêmio sempre nos espera no final, ainda que a linha de chegada nunca seja alcançada de fato.

Obedeça!
O filme se desenvolve logo que Nada percebe uma movimentação estranha em uma capela ao lado da favela onde ele mora e lá ele encontra estilosos óculos escuros. Antes mesmo de colocar os óculos, uma força policial expulsa com truculência desnecessária os moradores da favela e com isso, John começa a desconfiar ainda mais da movimentação incomum e dos óculos encontrados na capela. No dia seguinte à ação policial ele decide conferir os óculos e, ao sair nas ruas, descobre que eles permitem que ele enxergue o mundo como ele realmente é: os ricos são alienígenas desformes, as propagandas trazem os dizeres obedeça, consuma e até mesmo o dinheiro traz uma triste mensagem, esse é o seu Deus. A partir daí, Nada decide convencer seu amigo Frank a usar os óculos em uma briga antológica que não duraria mais de 30 segundos mas só entrou no filme porque Roddy Piper e Keith David decidiram brigar de verdade, combinando apenas não atingir os rostos. Carpenter gostou tanto da autenticidade da sequência que decidiu manter o material completo no filme. Logo que Frank coloca os óculos e percebe a trágica realidade da invasão alienígena os dois acabam decidindo tomar uma atitude e acabam por se unir ao grupo que sabe da verdade e oferece resistência à ocupação alienígena. Em um dado momento o espectador percebe que até mesmo humanos cientes da invasão são capazes de se vender aos alienígenas em troca de uma vida de luxo e conforto!

Cuidado com quem você bebe...

Box da Versátil com o filme
Eles vivem é um cult essencial, um filme provocador mascarado de filme B mas com uma temática muito mais profunda. Sua influência na cultura Pop é vista em jogos de computador como Flashback, nas frases do infame Duke Nukem e em tantos outros filmes, HQs e livros. A crítica social vista ao longo das 1h37m de filme é sutil mas pode ser aplicada até mesmo nos dias de hoje onde vemos a diferença gritante na distribuição de riquezas atingir valores até então nunca imaginados pela humanidade. Não seria nada de se estranhar se por acaso descobríssemos em algum momento que na verdade, alienígenas estão entre nós... Você pode encontrar Eles vivem e outros filmes do gênero no box Clássicos do Sci-Fi Vol. 1 da Versátil Home Video. O filme vem com alguns extras e entrevistas além de conter um belo card exclusivo da divulgação do filme em 87 numa coleção altamente recomendável a todo fã da boa ficção científica no cinema.

Segue abaixo a HQ original em inglês que inspirou o filme publicada em 1986 na coletânea Alien Encounters pela editora Eclipse Comics, material encontrado no blog SAP Comics









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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.