12 de abril de 2016

Moonage Daydream

*Resenha feita durante a Mostra Sci-Fi no MIS realizada entre 11 e 15 de abril no Museu da Imagem e do Som de Campo Grande, MS.

Poster nacional
Lunar é o filme de estreia de Duncan Jones, até então, conhecido apenas como o ilustre filho de David Bowie. O filme teve produção modesta e foi realizado durante uma greve de roteiristas no Reino Unido que, de acordo com o próprio Duncan, beneficiou o filme já que os melhores técnicos em efeitos especiais estavam disponíveis. Lunar foi filmado em 33 dias com um orçamento aproximado de U$10 milhões e lançado em 2007 em cinemas selecionados nos EUA e no Reino Unido, sendo exibido em mostras independentes e recebendo premiações até ganhar uma estreia mais considerável no circuito comercial. No Brasil, infelizmente Lunar foi lançado direto em home video como costuma acontecer com filmes independentes. Após o lançamento de Lunar, Duncan Jones ainda é lembrado como o filho de David Bowie e como o cara que realizou Lunar.

Sam Rockwell como Sam Bell
Lunar conta a história de Sam Bell (Sam Rockwell), um minerador que vive solitário no lado oculto da Lua em um destacamento de 3 anos onde ele deve cumprir as tarefas na estação de mineração da Lunar Industries. Sua única companhia é a inteligência artificial GERTY que cuida das rotinas da estação e ajuda a manter o moral de Sam em dia. A grande sacada no lado científico dessa ficção é que ela é extremamente realista: a mineração de Hélio 3 na Lua é uma possibilidade muito próxima. Hoje em dia nossas usinas nucleares são baseadas no princípio da fissão nuclear onde núcleos de hidrogênio são destruídos gerando energia e radioatividade no processo. A partir do momento em que conseguirmos a fusão nuclear, o uso do Hélio 3 no processo de fusão gera apenas energia, sem a formação de dejetos radioativos. O mais interessante não é só a pureza do processo mas também a eficiência: com pouco mais de 1 kG de Hélio 3 nós podemos sustentar a demanda energética do planeta por 1 ano. O Hélio 3 é um subproduto das reações nucleares que ocorrem em nosso Sol e ele é emanado em todas as direções no processo de fusão nuclear do hidrogênio solar, aqui na Terra ele é raro de se encontrar e difícil de se produzir: primeiro porque temos nossa atmosfera bloqueando a queda do isótopo, segundo porque não é fácil gerar o Hélio 3 em outro processo além da fusão. A melhor opção pra colher o Hélio 3 seria na Lua, já que ela está próxima, não tem atmosfera e recebe diretamente o elemento do Sol todos os dias. A única dificuldade seria minerar o solo em busca do isótopo mas nada que uma base instalada não consiga atender.

Veículo minerador em ação

No filme, a Lunar Industries se encarrega de minerar a superfície do lado oculto da Lua em busca do Hélio 3 e, por uma questão operacional mantém apenas um homem cuidando de toda a estação por um período de 3 anos. Sam Bell é encarregado de pilotar o veículo minerador, extrair o conteúdo e enviar regularmente pra Terra uma remessa de Hélio 3. A trama se desenvolve quando, próximo de sua data de retorno à Terra, Sam sofre um acidente durante uma operação de mineração. Depois do incidente, Sam começa a ter alucinações e visões de si próprio numa espécie de paranoia espacial.

GERTY
A influência estética de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick é indiscutível: as tomadas da estação, o design dos sets e das roupas, tudo remete, ainda que indiretamente, ao grande clássico de Kubrick. GERTY lembra em vários momentos HAL 9000, ainda que não caia no lugar comum de simplesmente imitar a inteligência artificial da Discovery em 2001, mérito do ator Kevin Spacey que dá voz a GERTY. Em momento algum Lunar cai no lugar comum de imitar o homenageado ou soar óbvio demais, mérito dos atores e da direção firme de Duncan Jones. Se fosse pra firmar um filme mais próximo na temática eu diria que Gattaca (1997) de Andrew Niccol e Blade Runner (1982) de Ridley Scott estão muito mais próximos.

Momento PKD
Na medida em que o filme se desenvolve, partimos da influência técnica de autores como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov e nos aproximamos de contemporâneos como Philip K. Dick. É inegável que os questionamentos sobre a realidade e sobre sua própria sanidade e individualidade se aproximam mais de PKD que de qualquer outro autor. Em alguns momentos, lembrei do conto A Formiga Elétrica e do romance Um reflexo na escuridão, ambos de PKD, onde os protagonistas se questionam sobre a própria existência. Falar mais sobre o assunto entregaria a trama e acredite, as surpresas que o filme guardam valem toda a experiência. Lunar é o exemplo máximo do que a boa ficção científica pode proporcionar: uma discussão sobre como a humanidade reagirá a tecnologias que ainda não criou, um futuro que ainda não chegou mas que está cada vez mais próximo.


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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.