21 de julho de 2015

O expresso invernal

A banda desenhada (como tradicionalmente são chamados os quadrinhos na Europa) O Perfuraneve é um dos melhores exemplos do que aconteceria com a Terra caso o inverno nuclear ocorresse. Um dos maiores temores da guerra fria, o inverno nuclear poderia acontecer após a detonação de várias ogivas nucleares, o que levantaria uma densa camada de poeira na atmosfera e impediria a penetração da radiação solar ocasionando um efeito inverso ao do efeito estufa.

Capa da edição nacional publicada pela Editora Aleph.

O ozônio na nossa atmosfera serve como um "filtro transparente" da radiação solar: o calor na forma de radiação infravermelha não é nocivo a nossa saúde, essa radiação refrata no ozônio e chega até a superfície da Terra onde reflete e volta pro espaço depois de refratar novamente na atmosfera, mantendo a temperatura do planeta propícia pra manutenção da vida. Radiação nas ondas do ultravioleta, os temidos raios UV A, B e C, refletem no ozônio e voltam pro espaço. Caso diminua o ozônio e aumente o gás carbônico na atmosfera a tendência é do calor refratar na entrada na atmosfera, refletir na superfície e refletir de volta nas nuvens de gás carbônico mantendo um efeito de aquecimento constante, o chamado efeito estufa, efeito que pode ser observado na prática na superfície do planeta Vênus. Isso sem esquecer que sem o ozônio, a radiação ultravioleta está livre pra refratar na superfície do planeta e afetar toda forma de vida existente. Se você deseja saber mais sobre o tema, recomendo o livro O Inverno Nuclear da Editora Francisco Alves, organizado por Paul Ehrlich, Carl Sagan e outros cientistas, você pode encontrá-lo na Estante Virtual.

Os autores.
O inverno nuclear por outro lado resultaria do bloqueio da entrada dos raios solares pelo acúmulo de poeira na atmosfera, poeira que refletiria toda radiação solar, o acúmulo de poeira e detritos seria efeito da detonação de várias ogivas nucleares na superfície do planeta. Algo parecido ocorreu na extinção dos dinossauros quando o meteoro que acertou o planeta levantou um densa camada de poeira na atmosfera dando início a uma nova era do gelo. E foi isso que aconteceu no futuro descrito pela Banda Desenhada O Perfuraneve, idealizada pelo roteirista Jacques Lob e pelo quadrinhista Jean Marc-Rochette. Com a morte de Lob após o lançamento da primeira parte da trama, a autoria da trama passou a Benjamin Legrand que escreveu as sequências "O explorador" e "A travessia".



A primeira parte, O Perfuraneve.
O Perfuraneve conta a trajetória de um trem que abriga os últimos sobreviventes do inverno nuclear. O Perfuraneve abriga uma sociedade distópica que concentra nos vagões principais a elite, seguida do que se poderia definir como uma classe média nos vagões intermediários e no fundo os rejeitados dessa nova ordem social, os fundistas. É dos últimos vagões que o protagonista Proloff sai em uma jornada rumo aos vagões principais. No seu caminho ele logo é interpelado pela força militar local e acaba encontrando na determinada Adeline Belleau uma aliada. Adeline lidera um grupo que questiona a situação em que as pessoas sobrevivem nos vagões do fundo do trem, o grupo de ajuda ao terceiro comboio. Eles são presos pelos militares e levados até o chamado quartel general do Perfuraneve onde conhecem o Presidente e o Historiador e a trama da 1ª parte se desenvolve com a jornada do casal protagonista e o destino dos sobreviventes dos últimos vagões.


O Perfuraneve em movimento.
Proloff se recusa em várias circunstâncias a descrever com detalhes a vida nos vagões dos fundos mas podemos intuir pelas breves passagens que eles não tem comida ou quaisquer outros suprimentos que ajudem a sobrevivência, sem falar na falta de espaço pros sobreviventes que provavelmente praticam canibalismo pra sobreviver. Ao longo da viagem dos vagões finais até o quartel general o leitor conhece os vagões que fornecem a alimentação dos habitantes do Perfuraneve, destacando o vagão dos vegetais e o vagão onde a Mama é apresentada. A Mama nada mais é que um grande pedaço de carne, um músculo que se expande indefinidamente e produz carne a todos. O desfecho da trama revela a grande verdade sobre o funcionamento do trem e traz o destino de Proloff.

O Historiador e Proloff.

Segunda parte.
As partes seguintes, "O explorador" e "A travessia" trazem um segundo Perfuraneve, ainda maior que o primeiro e acrescentam mais elementos à distópica sociedade apresentada na primeira parte. Existe um serviço de realidade virtual que recria passagens do mundo antigo aos mais afortunados ou aos sorteados no grande sorteio que permite acesso aos passeios aos passageiros dos vagões intermediários. Aqui o clero é muito mais representativo no governo e a religião e a mídia são partes fundamentais na manutenção do poder. A figura do Presidente Kennel é imponente mas seu governo não é nada sem a participação dos outros membros do conselho.





O passeio de Realidade Virtual.
Os protagonistas Puig e Val são apresentados num prólogo que conta como foi a primeira parada do trem e como os "exploradores" desempenham seu papel, explorando o que restou do mundo exterior protegidos por uma roupa que lembra os antigos escafandros e que protege os usuários do frio extremo no exterior. Puig se torna um explorador em sua idade adulta enquanto Val, a filha do Presidente Kennel projeta as viagens virtuais. O caminho de ambos vai se cruzar e com isso eles vão descobrir mais sobre o que houve com o primeiro Perfuraneve e o real motivo das paradas do trem. Elementos como o maluco que acredita que o Perfuraneve nada mais é que uma nave espacial ou a participação do clero e da mídia como manipuladores da massa são acrescentados na narrativa e ajudam o desenvolvimento da trama.

O segundo Perfuraneve,

Sem entregar nenhum spoiler das 3 partes, O Perfuraneve traz uma trama que mostra como a humanidade sobrevive em uma sociedade limitada pelas paredes de um trem. A limitação espacial pode até restringir as maquinações políticas e as relações de poder mas elas, por mais que sejam curiosamente restritas a uma linha aqui, continuam acontecendo como sempre ocorreram em nossa história. A unidimensionalidade confere outros ares ao desenvolvimento da trama e traz um ambiente diferente do padrão apresentados em outras narrativas pós-apocalípticas, geralmente ambientadas em cidades fechadas ou estações espaciais, aqui é um trem que carrega toda a sociedade e isso limita em muito o espaço da ação. A HQ é diferente do padrão norte-americano que nós brasileiros estamos acostumados a consumir com quadros vazados e páginas inteiras com artes, Perfuraneve é feito em quadros menores e padronizados, bem no estilo europeu e com um traço mais expressivo graças ao preto e branco em que os quadros são apresentados.

O derradeiro final.

No filme O Expresso do Amanhã, Proloff se torna Curtis.
A arte é um dos extras da edição nacional.
A edição nacional publicada pela Editora Aleph traz ainda um posfácio escrito por Jean-Pierre Dionnet que conta sobre a obra e sua relação com os autores. Vale destacar a fase dos quadrinhos europeus que ele descreve no texto com grandes autores como Moebius e Druilet produzindo pérolas que conhecemos hoje em encadernados e que na época foram publicadas mensalmente na clássica Metal Hurlant. Os extras também trazem uma pequena biografia dos autores bem como artes usadas na produção do filme que adapta a HQ, O Expresso da Amanhã.








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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.

Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.



Seu instagram é @danielrockenbach.