26 de novembro de 2015

Marcas de uma Guerra nas Estrelas

Marcas da Guerra de Chuck Wendig inicia a Jornada para O Despertar da Força com vigor. O livro traz as consequências dos eventos retratados em O Retorno de Jedi: a destruição da segunda Estrela da Morte e as mortes do Imperador e de Darth Vader. O Império caiu e a Aliança Rebelde assume agora a alcunha de Nova República e com isso o Senado Galáctico volta a se formar. A guerra em si pode ter acabado com o lado rebelde saindo vitorioso mas o que se sucede pode ser algo muito pior: a guerrilha urbana. A Nova República está consolidando sua autoridade na região central da galáxia, planeta por planeta e ainda assim continua enfrentando núcleos de resistência imperial bem como a revolta dos nativos que não se importam mais com quem está no poder e sim com as perdas que a guerra trouxe. Lidar com o rancor daqueles que não tomaram partido na guerra mas sofreram com seus efeitos e enfrentar os núcleos de resistência imperiais parecem ser os maiores problemas para a recém formada República que também sofre com a falta de equipamento e pessoal.

A nova Chanceler, Mon Mothma
Chandrila, planeta natal da recém nomeada Chanceler Mon Mohtma e lar do novo Senado Galáctico é retratado várias vezes ao longo da narrativa e mesmo estando próximo ao centro da galáxia, ainda enfrenta a insatisfação popular. Corruscant também é retratada inclusive com um núcleo de órfãos que ainda enfrenta a resistência imperial. O retrato geral é que a vitória em Endor foi apenas o desfecho das grandes batalhas mas agora cada mundo terá seus próprios problemas até que se estabeleça um novo governo. O objetivo da antiga líder rebelde, agora Chanceler, é reduzir as tropas da Aliança e manter apenas aqueles que desejarem o serviço militar, aqueles que se alistaram durante a rebelião apenas pra defender a causa ou quaisquer outros objetivos pessoais estão todos liberados para reconstruírem em paz as suas vidas. Esse gesto pode parecer nobre mas também parece que pode custar caro para a Nova República já que ainda existe muito trabalho a ser feito e, por mais que a Nova República preze pela democracia, essa não será obtida com facilidade, principalmente nos planetas da orla exterior da galáxia.

Interlúdios expandem os acontecimentos
Todo esse pano de fundo é retratado em interlúdios entre os capítulos, enriquecendo a trama principal com mais informações do que acontece em outros mundos e com outros núcleos de personagens. Não espere aqui um romance onde os protagonistas são os mesmos de sempre, Marcas da Guerra menciona apenas vagamente Luke, Leia, Han, Chewbacca e Lando e se dedica mais aos personagens secundários mas não menos importantes na guerra, aqueles que sempre tiveram relativo destaque no antigo Universo Expandido de Star Wars como Wedge Antilles ou Mon Mothma. Han e Chewie protagonizam um desses interlúdios mas mais como preparação do que está por vir no Universo Expandido que por participar da trama principal. Esse é um dos grandes méritos de Chuck Wendig, trazer uma aventura com personagens secundários mas importantes, cuja função aqui é apresentar novos personagens que desenvolverão a narrativa e colocarão o leitor a par de tudo que aconteceu dando um novo ponto de vista sobre os acontecimentos dos filmes e de tudo que está por vir. Não duvido que, nos próximos livros da Trilogia Aftermath, os protagonistas da saga galáctica apareçam em novos interlúdios ou mesmo interajam com os novos personagens mas isso é algo pro futuro.

Capitão Wedge Antilles
Marcas da Guerra começa com o Capitão Wedge Antilles investigando planetas da orla exterior a procura de bases secretas imperiais. Como o foco da Nova República está em acabar com a guerrilha contra o império nos mundo centrais visando estabilizar o novo governo, não restam muitos recursos ou pessoal pra conduzir as buscas pelo que sobrou do combalido império. Wedge, o piloto da Aliança que sobreviveu aos ataques às duas Estrelas da Morte, chega sozinho ao planeta Akiva, um dos mundos presentes nas prequels, e logo percebe uma movimentação de destróiers imperiais. Não demora muito e Wedge acaba capturado pelos imperiais e logo somos apresentados à formidável Almirante Rae Sloane, uma personagem que já apareceu no novo Universo Expandido no livro Um novo amanhecer de John Jackson Miller, na ocasião uma jovem oficial imperial. Isso é bacana já que dá os primeiros sinais das conexões do novo Universo Expandido. Rae é uma oficial obstinada, determinada a trazer a glória de outrora ao império, ela realmente acredita na causa imperial e está disposta a tudo pra conquistar seus objetivos.

Representação da Almirante Rae Sloane
O leitor que conhece a Trilogia Thrawn vai notar certas semelhanças entre os problemas enfrentados pela Almirante Sloane e o Almirante Thrawn: a escassez de bons oficiais no Império depois das muitas baixas após a destruição da segunda Estrela da Morte e a decepção com a presunção do Imperador Palpatine em concentrar todos os seus recursos em um único lugar. O objetivo de Rae na trama é reunir os últimos representantes do império no intuito de traçar uma estratégia pro futuro. O encontro acontecerá em Akiva, sede de um dos muitos fundos secretos de recursos do império e lar de Surat Nuat, um sullustiano ,líder de um dos muitos grupos criminosos, no melhor estilo dos Hutts e que, por baixo dos panos, apoiava o império. Os outros representantes do império são o Grão-Moff Valco Pandion, a General Jylia Shale, o bancário e escravagista Arsin Crassus e o antigo conselheiro do imperador, Yupe Tashu. Assim como a Nova República tem dificuldade em se estabelecer, os imperiais também tem dificuldade em se entender e cabe a Sloane mediar os ânimos e conciliar a todos.

Andróide de Batalha B1, o
modelo de dróide que Temmin
usa pra construir o
Senhor Ossudo
Após a captura de Antilles, somos apresentados à piloto da Aliança Rebelde Norra Wexley que volta ao planeta Akiva apenas pra buscar seu filho, Temmin Wexley, um jovem de 15 anos que ela acabou deixando pra trás pra se juntar aos rebeldes. A relação entre mãe e filho é um dos pontos fortes da trama e marca também um dos muitos momentos em que o leitor é confrontado com os efeitos que uma guerra causa, Temmin tem todo um rancor com a guerra e não deseja abandonar sua terra natal, ainda que por uma vida melhor com a mãe. O garoto e seu andróide, o Senhor Ossudo, são cativantes ainda que fujam do padrão Luke e R2-D2. O Senhor Ossudo é um dróide sujo, construído por Temmin a partir de dróides usados nas Guerras Clônicas pela Confederação do Comércio e que parecer ter uma única prioridade: proteger o garoto.

A narrativa então corta pra um bar em Akiva onde somos apresentados ao antigo agente de lealdade imperial Sinjir Rath Velus, um dos personagens mais interessantes da trama, particularmente, meu favorito. Seu estilo lembra um pouco Han Solo mas muito mais ambíguo, em nenhum momento temos certeza de seus objetivos mas ainda assim, queremos saber o que vai acontecer com ele. Terá ele se arrependido do passado imperial? Estaria ele protegendo apenas a própria pele? Essa ambiguidade moral o torna profundo e o fato de ser carismático como um Han Solo faz com que ele seja um dos melhores personagens da trama. Enquanto isso a reunião imperial começa e somos apresentados à caçadora de recompensas Jas Emari, uma zabrak em busca da recompensa dada pela Nova República por membros da reunião imperial em andamento. Jas é uma personagem fria e que visa cumprir os contratos no melhor estilo Mandaloriano de se cumprir um contrato, antes pro Império, agora pra Nova República.

Norra, Sinjir e Jas, todos estiveram presentes na batalha de Endor em diferentes situações: Norra pilotando uma das Y-Wing que entraram na segunda Estrela da Morte, Jas em busca da recompensa pela rebelde Leia e Sinjir tentando salvar sua própria pele em meio a todo conflito. Essa relação entre personagens no passado ajuda a reforçar o relacionamento forjado pelo improvável grupo formado por eles e a dupla, Temmin e o Senhor Ossudo. A melhor comparação que o leitor pode ter em mente é com o grupo de rejeitados de outro filme da Disney, Os Guardiões da Galáxia. Ao contrário dos heróis Luke, Leia, Han e Chewie, aqui temos uma mãe e um filho que não se entendem, um desertor e uma caçadora de recompensas e é dessa reunião improvável que temos uma grande aventura.

Marcas da Guerra é um excelente romance no novo Universo Expandido de Star Wars e que traz muito que está por vir não apenas nos próximos volumes em 2016 e 2017 mas também como em todo novo cânone. A narrativa é bem amarrada e traz grandes referências ao universo de Stars Wars, tantas que recomendo o leitor acompanhar a leitura junto do Google ou mesmo da Wookieepedia, a Wiki de Star Wars. São várias as raças, planetas e personagens mencionados no livro e todos fazem referência a algo que já apareceu nos filmes ou no novo Universo Expandido da saga. Existem até referências à extinta Lucas Arts quando o barman da Cantina Alcazar oferece Grog pra Sinjir, a bebida tomada pelos piratas da série de jogos Monkey Island. Marcas da Guerra inicia a Jornada para O Despertar da Força com todos os méritos, pode não ter o impacto que a Trilogia Thrawn teve em seu tempo mas também não se podem comparar os contextos, a Trilogia de Timothy Zahn era a única sequência que os fãs tinham pra saga e agora, a Trilogia Aftermath faz parte de todo um projeto multimídia que levará aos novos filmes da saga, algo que Marcas da Guerra cumpre com todo o louvor. Parabéns e obrigado à Editora Aleph que uma vez mais contempla os fãs com mais uma bela edição de Star Wars!


---------------------------------------- P O L Ê M I C A S ----------------------------------------



Marcas da Guerra de Chuck Wendig é um romance feito por encomenda como muitos outros que abordam universos expandidos de séries, filmes e games. Esses romances são concebidos dentro de fórmulas que muitas vezes vem atreladas a franquias e demandas puramente comerciais. Fosse Chuck Wendig ou William Gibson o autor e o padrão a ser seguido e o tom da trama seriam os mesmos, independente da capacidade do autor. Antes de ler Marcas da Guerra me deparei com uma enxurrada de críticas ao tom do romance na internet, a maioria sem um sentido comum, alguns se queixando do texto, outros do desenvolvimento dos personagens e alguns até criticando a forma com que o autor usa as raças alienígenas, locais e até os idiomas, supostamente fora de contexto.

Não sou uma enciclopédia de Star Wars portanto fiz questão de acompanhar a Wookieepedia durante toda a leitura pra ter certeza que o livro era fiel a todas as referências apresentadas e não notei em momento algum falhas com o cânone da saga seja pelas localidades, descrição das raças apresentadas, idiomas... não vi furo em lugar algum. Além disso, não vi problema algum no desenvolvimento do texto ou dos personagens, pelo contrário, fiquei encantado com o grupo inusitado formado pelos protagonistas apresentados.

Qual foi meu espanto portanto ao me dar conta que todos esses ataques e críticas sem fundamentação tinham na grande maioria sido feitos em virtude da cor da pele de determinado personagem ou mesmo da sexualidade de outro. Isso é frustrante já que a ficção científica como literatura de vanguarda, não pode tolerar esse tipo de pensamento retrógrado, nenhum tipo de preconceito condiz com os ideais expostos pela literatura de ficção. Exemplos onde a literatura de ficção científica é preconceituosa existem, vide O Presidente Negro, único livro de ficção científica de Monteiro Lobato e um livro raramente lembrado entre os admiradores da boa ficção. Ele e outros com esse tipo de abordagem preconceituosa são mais lembrados como maus exemplos que por qualquer qualidade presente em seu texto.

Esse tipo de crítica preconceituosa, portanto, é dispensável e não deve sequer ser considerada. Sou branco e heterossexual e em nenhum momento me ofendi com o livro. Digo mais, não fosse o personagem em dado momento abordar sua sexualidade e eu nem teria notado diferença entre o antes e o depois da revelação. Isso não é relevante, continuo encantado com o personagem da mesma forma que antes a ponto de considerar meu personagem favorito no livro. Deixo aqui as seguintes perguntas aos fãs preconceituosos de Star Wars: por que implicar com a pele negra da Almirante Sloane se a pele do Almirante Thrawn na aclamada trilogia de Timothy Zahn era azul? Por que implicar com a sexualidade de personagens humanos se várias das raças apresentadas em Star Wars não tem sexo definido?

Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre o assunto, recomendo ler a opinião do próprio Chuck Wendig sobre o eventual "boicote" que esse tipo de fã prometeu fazer ao Despertar da Força:

http://terribleminds.com/ramble/2015/10/19/about-that-dumb-star-wars-boycott/

Sem mais, Marcas da Guerra é um excelente livro, leiam sem medo!

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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.



Seu instagram é @danielrockenbach.

18 de novembro de 2015

Tempestade no Ciberespaço

HAL 9000
A representação da informática na ficção científica vem se desenvolvendo das mais variadas formas. Inteligências artificiais avançadas como o HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Arthur C. Clarke ainda estão distantes da nossa realidade, apesar de serem uma possibilidade pro futuro. Representações literais do mundo virtual como o mundo de Tron demonstram a forma ingênua que interpretamos a revolução da informática no começo da década de 80: programas agindo tal como pessoas em um mundo paralelo ao nosso mas cheio de neon e construções fantásticas. Tron, apesar de ser um filme e tanto, não é nem de perto algo próximo do que se tem hoje na computação. Do clássico Neuromancer, de William Gibson, à Matrix e em praticamente todo Cyberpunk temos uma computação sofisticada onde a informação é uma moeda de troca na maioria na maioria das vezes e que geralmente traz personagens literalmente se conectando ao mundo virtual. Por mais que a realidade virtual esteja avançada, seus estágios estão ainda muito distantes do que se vê no Cyberpunk em geral. Cyberstorm, de Matthew Mather, revigora a representação da computação dentro da ficção científica e traz ideias interessantes e muito mais próximas a nossa realidade.

Ataques virtuais à sistemas de segurança de grandes empresas e do governo já são uma realidade há muito tempo. A queda recente dos servidores da Sony, os ataques à Microsoft e à Amazon e outros exemplos recentes mostram o quanto as grandes empresas estão a mercê de grupos como o Anonymous. A Nasa e a CIA são os alvos governamentais mais visados de hackers, isso sem mencionar outros tantos grupos interessados em ataques desse tipo, de governos rivais a grupos terroristas: interessados em derrubar ou invadir sistemas de defesa surgem todos os dias aos montes na internet. Tudo que estiver conectado: seu celular, seu PC, absolutamente tudo que estiver online já está passível de sofrer uma invasão, basta a vontade de um usuário e um conhecimento operacional mínimo e todas essas brechas podem ser exploradas.


Em Cyberstorm o autor discute a real possibilidade de ciberataques combinados a vários sistemas de uma cidade: desde o controle de logística de produção e distribuição de suprimentos a sistemas de controle de energia, água e comunicação. Ciberataques coordenados a uma cidade podem facilmente comprometer a rotina de seus moradores. Todos os sistemas estão online, é uma questão de se cortar o fornecimento de água e energia através da própria internet, sabotar a distribuição de suprimentos derrubando o sistema de logística das empresas que fornecem e por fim cortar a comunicação interna e externa da cidade. Uma vez cortados os serviços essenciais e comprometidos os sistemas de distribuição, você tem um cenário desolador onde o tecido social pouco a pouco passa a perder a importância e o caos e a anarquia começam a se difundir.


Carta do autor aos blogueiros
O livro começa apresentando o protagonista, Mike, sua esposa Lauren e seus vizinhos: Chuck e Susie, Richard e Sarah, Pam e Rory, o casal russo Irena e Aleksandr e o porteiro do prédio, Tony. Eles moram na ilha de Manhattan e terão seus destinos diretamente afetados pela crise criada pelos ataques uma vez que, quem começou isso tudo, pensou inclusive no fato de que Nova York estaria sendo assolada pela neve nessa época do ano, mais um fator complicador dentro desse cenário dos ataques cibernéticos. Mike é um jovem empreendedor e tem um vago conhecimento computacional já que seu foco são as redes sociais. Ele e o vizinho paranoico Chuck desenvolvem o começo da trama quando discutem as possibilidades de um conflito armado com outros países, no caso a China que na trama já está em um clima tenso com os Estados Unidos. Mike sugere que Chuck repense suas paranoias e considere a possibilidade de ciberataques, algo mais eficiente e limpo que as antigas invasões territoriais e que já foi praticado em outras situações no passado.

Não demora muito na trama e Chuck conclui que antigamente, a única forma de uma nação afetar outra era violando o espaço físico com uma invasão e o primeiro momento que esse paradigma foi quebrado foi quando o espaço exterior entrou em cena com satélites e estações orbitando a Terra sem se limitar por quaisquer fronteiras. O segundo momento em que o paradigma territorial foi derrubado foi com o surgimento do ciberespaço onde as limitações territoriais e físicas não importam, as forças se equilibram uma vez que todos estamos online. É em cima desse raciocínio que pesa a genialidade das ideias do autor no texto. Tendo em vista os recentes ataques terroristas em Paris e nos EUA e vendo a forma como grupos como o ISIS cada vez mais trabalham com a internet, os ciberataques são uma realidade muito mais plausível que ataques físicos à soberania de um país. Primeiro porque no mundo virtual, as forças são mais equilibradas, segundo porque a possibilidade de se comprometer uma população através de ciberataques acaba atingindo um número maior de vítimas que simplesmente um ataque convencional.

A trama se desenvolve em cima das consequências dos ataques e acompanha o núcleo em torno do protagonista Mike e seus vizinhos. O drama é apresentado de forma convincente e os personagens se desenvolvem dentro da situação de crise de uma maneira factível e interessante. Irena e Aleksandr estão lá pra sempre lembrar o leitor e o protagonista da época em que a informática ainda era um sonho distante: eles sobreviveram ao cerco dos nazistas na Rússia e viram o mesmo tipo de caos tomar conta das cidades russas numa época que apenas o território contava, o casal russo traz a experiência com a falta de recursos, a fome e a natureza inclemente do clima. Outra adição interessante ao grupo é o jovem Damon que traz um pouco de conhecimento computacional que acaba ajudando o grupo de sobreviventes. A forma com que os capítulos são apresentados na forma de um diário é convincente apesar de em alguns momentos ser anticlimática. Cyberstorm é mais recomendado pela ideia dos ciberataques no futuro que pelo desenvolvimento da narrativa mas isso por si já basta como motivo pra indicar o livro. Se tivesse que indicar uma obra que traz de uma forma convincente as possibilidades do futuro próximo, com certeza indicaria Cyberstorm.


----------------------------------A T E N Ç Ã O : Spoilers adiante!----------------------------------

O grupo Anonymous costuma usar a máscara de Guy Fawkes em suas apresentações públicas

O maior problema em Cyberstorm é no fechamento da história. Aqui parece que o autor começou a perder a mão apesar da ideia genial que originou o livro e decidiu acabar a trama de uma forma um tanto quanto vaga e sem muito desenvolvimento. Não discordo dos fatos apresentados no encerramento, apenas da forma com que eles são apresentados e isso empobrece a experiência mas não compromete já que o grande mérito do livro é trazer à tona a possibilidade real dos ataques virtuais no futuro. Isso já acontece com empresas e agências governamentais mas nunca a ponto de sabotar toda uma cidade e é algo que deve mesmo ser levado muito a sério. O problema em Cyberstorm é apresentar os efeitos de um ataque de uma maneira convincente e profunda pra encerrar a narrativa com uma série de coincidências improváveis.

Seria mais fácil dizer que, uma vez que os hackivistas de outros grupos percebessem um ataque, todos quisessem aproveitar a possibilidade de comprometer ainda mais os sistemas, colaborando com os ataques direta ou indiretamente aproveitando a onda do ataque inicial. O autor não deixa isso claro e faz tudo soar com uma série de coincidências improváveis mas que aconteceram em virtude do primeiro ataque. Não sou daqueles que torcia pra China ou qualquer outro inimigo dos Estados Unidos ser o grande vilão da trama, eu até acho mais interessante grupos de hackivistas sem fronteiras serem os culpados, até mesmo a solução que o autor dá pra explicar a crise me satisfaria mais mas contanto que isso fosse apresentado de forma convincente. Tudo bem que o leitor acompanha a narrativa sobre os olhos do protagonista, um leigo no assunto, mas mesmo assim, Matthew poderia muito bem inserir um capítulo com o trecho de um jornal ou um relatório militar explicando em detalhes os motivos da crise, assim o leitor não ficaria desguarnecido de maiores explicações, entregue a especulações e incerto sobre o que levou a trama a se desenvolver.

Excetuando todos esses fatores, Cyberstorm foi uma excelente surpresa num ano em que novos autores como Mathew Mather e Andy Weir (Perdido em Marte) me tomaram a atenção de assalto, lembrando que a boa ficção científica ainda está viva e que não dependemos apenas dos clássicos de Clarke e Asimov pra ter uma boa leitura no gênero. Apesar dos defeitos, recomendo Cyberstorm a todos!


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11 de novembro de 2015

Como nascem as lendas

Richard Matheson é um autor e tanto. Matheson roteirizou alguns dos melhores episódios de Além da Imaginação (Twilight Zone, 1959): clássicos como Nightmare at 20000 feet, Third from the Sun e Button, Button que, aliás, virou filme lançado no Brasil como A Caixa. Ele também escreveu o livro e o roteiro dos filmes O Incrível Homem que Encolheu e Em algum lugar do Passado entre outros tantos trabalhos adaptados pro Cinema e TV mas o mais notável entre seus escritos é o clássico Eu sou a Lenda. O livro já foi adaptado 4 vezes pro Cinema sendo a última com Will Smith como o protagonista Robert Neville, papel que já foi de grandes atores como Vincent Price e Charlton Heston.

A edição da Editora Aleph
Eu sou a Lenda é um livro que não se limita ao Terror tradicional ou à Ficção Científica clássica. O livro traz o melhor de ambos os gêneros ao descrever o mundo pós-apocalíptico em que vive Robert Neville, o último sobrevivente de uma civilização que sucumbiu a uma praga que transformava pessoas normais em vampiros e trazia os mortos de volta, igualmente sedentos por sangue. Os vampiros da trama se comportam como o vampiro tradicionalmente conhecido: aversão ao sol, alho, temem a cruz, fogem de espelhos e não atravessam água corrente. A narrativa começa 6 meses após Neville ter encontrado a última pessoa saudável e segue descrevendo a agonia e o isolamento dele em uma rotina que alterna momentos de bebedeira e depressão. Sobreviver num mundo devastado pela praga faz com que ele se fortifique em sua casa já que os vampiros vem incomodar as noites de Neville enquanto de dia ele sai em busca de recursos enquanto caça as criaturas em seu sono.

Vincent Price, Charlton Heston e Will Smith como
Robert Neville
O fato dele estar vivo e ter visto sua esposa e sua filha sucumbirem à praga faz com que ele entre num ciclo de recriminação e culpa que só são aplacados quando Neville decide tomar uma atitude e começa a pesquisar sobre a condição vampírica. Robert Neville começa a pensar a condição da praga até os mínimos detalhes, desde a aversão por alho ao medo da cruz e de espelhos ou mesmo o porquê da eficiência das estacas na hora de eliminar os infectados. Robert se nega em vários momentos a acreditar na possibilidade sobrenatural dos vampiros criados pela infecção e começa a esmiuçar as possibilidades estudando cada vez mais, ainda que de forma amadora já que ele mesmo não é um cientista.


A trama se desenvolve em 4 momentos distintos, entre 1976 e 1979 e mostra as diferentes fases da vida de Neville durante o período. A depressão inicial, a adaptação e aceitação da solidão e o seu destino nesse novo mundo. Em todo momento o leitor acompanha o protagonista em suas frustrações e aspirações e, o mais interessante, é que em nenhum momento o autor poupa o leitor. Seja quando Neville começa a criar expectativas com o estudo da condição vampírica ou mesmo quando ele ganha a companhia do cachorro pra logo em seguida ter todas as suas esperanças reduzidas a nada. Stephen King define bem essa sensação logo na introdução da nova edição brasileira lançada pela Editora Aleph quando diz que o autor não poupa o leitor em momento algum. Quando você pensa que Neville conseguiu uma vitória ou mesmo já passou pelo pior, Matheson vem e tira leitor e narrador da zona de conforto criando uma reviravolta inesperada. É assim até a última página do livro, uma narrativa tensa, que prende o leitor mantendo-o constantemente alerta. Aliás, vale notar que existe um motivo pro livro ter esse nome e, mesmo esse motivo, faz parte de mais um choque que o autor preparou pro leitor em Eu sou a Lenda.

A edição da Editora Aleph traz o mesmo capricho de outras edições, com o devido respeito à obra original que já foi lançada no Brasil como A última esperança sobre a Terra pela Francisco Alves ou teve capas relacionadas ao filme de Will Smith que pouco tem a ver com a trama original do livro. O acabamento em capa dura e as artes embelezam ainda mais a edição que ainda conta com dois extras: uma análise acadêmica da obra por Mathias Clasen e uma entrevista com o próprio Richard Matheson em 2007 onde ele fala sobre o livro e suas adaptações pro cinema.

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4 de novembro de 2015

Uma edição formidável para uma criatura excepcional

Alien de Alan Dean Foster, lançado recentemente pela Editora Aleph, adapta o filme de Ridley Scott à literatura de uma forma profunda e interessante. Geralmente esse tipo de adaptação acaba sendo uma transcrição do que se vê no filme, tanto nas descrições das cenas como nos diálogos. O próprio autor é conhecido pela adaptação de vários outros filmes para livros e nem todos são tão interessantes quanto deveriam apesar de bem escritos. Alan é conhecido também como o ghost writer por trás de George Lucas na novelização de Star Wars, o filme original da saga, romance que faz parte do livro Star Wars - A Trilogia, lançado pela DarkSide Books.

Criatura e livro.
Alien é uma admirável exceção já que o texto aprofunda muito a experiência do filme não apenas intensificando as relações e impressões dos personagens mas também enriquecendo o mundo onde a trama decorre. A máquina dos sonhos, descrita enquanto os personagens estão em sono criogênico, é um dos melhores exemplos. É algo que não aparece no filme e sugere muito mais sobre o perfil dos personagens antes deles chegarem em LV-426. A máquina é descrita como um dispositivo capaz de capturar os sonhos da pessoa em estase e gravá-los tal como se grava um vídeo. Existe toda uma indústria em cima dos sonhos, tendo inclusive sonhadores profissionais! Se isso estava no roteiro original do filme eu nunca vi, não li o roteiro original de Dan O' Bannon, apenas a versão revisada de Walter Hill que pode ou não ter cortado a máquina do roteiro original. De uma forma ou de outra, se essa foi uma ideia original do Alan Dean Foster, ele merece todos os elogios.

A criatura recebe uma descrição muito criativa do ponto de vista literário. Como simular o pânico da tripulação sem entregar detalhes que apenas um filme pode proporcionar através da imagem e do som? É nesse ponto o grande diferencial da novelização: em um dado momento, Dallas, Ripley e os demais chegam a discutir se a criatura não é capaz de ficar invisível já que é praticamente impossível eles notarem os ataques do xenomorfo. Você pode saber o que vai acontecer por ter visto o filme, não importa, o texto consegue manter um clima de tensão constante. A descrição da Nostromo, de LV-426 e do Alien em si são os pontos altos e que realçam o clima de tensão e suspense da trama.


Nostromo rumo ao desconhecido em LV-426, uma das luas de Calpamos no sistema Zeta Reticuli.

A criatura na visão de H. R. Giger.
O Alien em si é uma das criaturas mais fantásticas da ficção científica. No meu ponto de vista, apesar de ser uma protagonista forte, Ripley representa mais a humanidade que uma heroína emblemática, é a criatura quem acaba roubando a cena. Digo isso porque acho formidável a forma como livro e filme descrevem o contato da tripulação da Nostromo com a nave alienígena em LV-426: puro medo. Não temos como saber que tipo de vida encontraremos no espaço. Quais as possibilidades? Infinitas se pensarmos cientificamente. O Alien nada mais é que um parasita que sobrevive às custas de um infeliz hospedeiro. O fato de a criatura ser anatomicamente assustadora e nos lembrar ossos e uma caveira ao mesmo tempo que sugere um formato fálico na cabeça pode ser algo que H. R. Giger tenha criado a partir de uma inspiração artística mas todo o ciclo da criatura e sua biologia são plausíveis. Excetuado certos exageros como sobreviver no vácuo ou ter uma "pele" praticamente indestrutível, o xenomorfo é uma criatura não muito diferente de outros parasitas encontrados na natureza e isso é o que torna tudo mais assustador. Mas isso é tema para outro post.

A nova edição da Editora Aleph traz de volta ao Brasil a novelização e ainda traz uma entrevista com Sigourney Weaver e Ridley Scott como extras. O livro ainda conta com um acabamento de primeira, desde capa e contra-capa, orelhas e toda a apresentação do livro. É uma edição obrigatória tanto aos fãs dos filmes como aos leitores da boa ficção científica.

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