26 de novembro de 2015

Marcas de uma Guerra nas Estrelas

Marcas da Guerra de Chuck Wendig inicia a Jornada para O Despertar da Força com vigor. O livro traz as consequências dos eventos retratados em O Retorno de Jedi: a destruição da segunda Estrela da Morte e as mortes do Imperador e de Darth Vader. O Império caiu e a Aliança Rebelde assume agora a alcunha de Nova República e com isso o Senado Galáctico volta a se formar. A guerra em si pode ter acabado com o lado rebelde saindo vitorioso mas o que se sucede pode ser algo muito pior: a guerrilha urbana. A Nova República está consolidando sua autoridade na região central da galáxia, planeta por planeta e ainda assim continua enfrentando núcleos de resistência imperial bem como a revolta dos nativos que não se importam mais com quem está no poder e sim com as perdas que a guerra trouxe. Lidar com o rancor daqueles que não tomaram partido na guerra mas sofreram com seus efeitos e enfrentar os núcleos de resistência imperiais parecem ser os maiores problemas para a recém formada República que também sofre com a falta de equipamento e pessoal.

A nova Chanceler, Mon Mothma
Chandrila, planeta natal da recém nomeada Chanceler Mon Mohtma e lar do novo Senado Galáctico é retratado várias vezes ao longo da narrativa e mesmo estando próximo ao centro da galáxia, ainda enfrenta a insatisfação popular. Corruscant também é retratada inclusive com um núcleo de órfãos que ainda enfrenta a resistência imperial. O retrato geral é que a vitória em Endor foi apenas o desfecho das grandes batalhas mas agora cada mundo terá seus próprios problemas até que se estabeleça um novo governo. O objetivo da antiga líder rebelde, agora Chanceler, é reduzir as tropas da Aliança e manter apenas aqueles que desejarem o serviço militar, aqueles que se alistaram durante a rebelião apenas pra defender a causa ou quaisquer outros objetivos pessoais estão todos liberados para reconstruírem em paz as suas vidas. Esse gesto pode parecer nobre mas também parece que pode custar caro para a Nova República já que ainda existe muito trabalho a ser feito e, por mais que a Nova República preze pela democracia, essa não será obtida com facilidade, principalmente nos planetas da orla exterior da galáxia.

Interlúdios expandem os acontecimentos
Todo esse pano de fundo é retratado em interlúdios entre os capítulos, enriquecendo a trama principal com mais informações do que acontece em outros mundos e com outros núcleos de personagens. Não espere aqui um romance onde os protagonistas são os mesmos de sempre, Marcas da Guerra menciona apenas vagamente Luke, Leia, Han, Chewbacca e Lando e se dedica mais aos personagens secundários mas não menos importantes na guerra, aqueles que sempre tiveram relativo destaque no antigo Universo Expandido de Star Wars como Wedge Antilles ou Mon Mothma. Han e Chewie protagonizam um desses interlúdios mas mais como preparação do que está por vir no Universo Expandido que por participar da trama principal. Esse é um dos grandes méritos de Chuck Wendig, trazer uma aventura com personagens secundários mas importantes, cuja função aqui é apresentar novos personagens que desenvolverão a narrativa e colocarão o leitor a par de tudo que aconteceu dando um novo ponto de vista sobre os acontecimentos dos filmes e de tudo que está por vir. Não duvido que, nos próximos livros da Trilogia Aftermath, os protagonistas da saga galáctica apareçam em novos interlúdios ou mesmo interajam com os novos personagens mas isso é algo pro futuro.

Capitão Wedge Antilles
Marcas da Guerra começa com o Capitão Wedge Antilles investigando planetas da orla exterior a procura de bases secretas imperiais. Como o foco da Nova República está em acabar com a guerrilha contra o império nos mundo centrais visando estabilizar o novo governo, não restam muitos recursos ou pessoal pra conduzir as buscas pelo que sobrou do combalido império. Wedge, o piloto da Aliança que sobreviveu aos ataques às duas Estrelas da Morte, chega sozinho ao planeta Akiva, um dos mundos presentes nas prequels, e logo percebe uma movimentação de destróiers imperiais. Não demora muito e Wedge acaba capturado pelos imperiais e logo somos apresentados à formidável Almirante Rae Sloane, uma personagem que já apareceu no novo Universo Expandido no livro Um novo amanhecer de John Jackson Miller, na ocasião uma jovem oficial imperial. Isso é bacana já que dá os primeiros sinais das conexões do novo Universo Expandido. Rae é uma oficial obstinada, determinada a trazer a glória de outrora ao império, ela realmente acredita na causa imperial e está disposta a tudo pra conquistar seus objetivos.

Representação da Almirante Rae Sloane
O leitor que conhece a Trilogia Thrawn vai notar certas semelhanças entre os problemas enfrentados pela Almirante Sloane e o Almirante Thrawn: a escassez de bons oficiais no Império depois das muitas baixas após a destruição da segunda Estrela da Morte e a decepção com a presunção do Imperador Palpatine em concentrar todos os seus recursos em um único lugar. O objetivo de Rae na trama é reunir os últimos representantes do império no intuito de traçar uma estratégia pro futuro. O encontro acontecerá em Akiva, sede de um dos muitos fundos secretos de recursos do império e lar de Surat Nuat, um sullustiano ,líder de um dos muitos grupos criminosos, no melhor estilo dos Hutts e que, por baixo dos panos, apoiava o império. Os outros representantes do império são o Grão-Moff Valco Pandion, a General Jylia Shale, o bancário e escravagista Arsin Crassus e o antigo conselheiro do imperador, Yupe Tashu. Assim como a Nova República tem dificuldade em se estabelecer, os imperiais também tem dificuldade em se entender e cabe a Sloane mediar os ânimos e conciliar a todos.

Andróide de Batalha B1, o
modelo de dróide que Temmin
usa pra construir o
Senhor Ossudo
Após a captura de Antilles, somos apresentados à piloto da Aliança Rebelde Norra Wexley que volta ao planeta Akiva apenas pra buscar seu filho, Temmin Wexley, um jovem de 15 anos que ela acabou deixando pra trás pra se juntar aos rebeldes. A relação entre mãe e filho é um dos pontos fortes da trama e marca também um dos muitos momentos em que o leitor é confrontado com os efeitos que uma guerra causa, Temmin tem todo um rancor com a guerra e não deseja abandonar sua terra natal, ainda que por uma vida melhor com a mãe. O garoto e seu andróide, o Senhor Ossudo, são cativantes ainda que fujam do padrão Luke e R2-D2. O Senhor Ossudo é um dróide sujo, construído por Temmin a partir de dróides usados nas Guerras Clônicas pela Confederação do Comércio e que parecer ter uma única prioridade: proteger o garoto.

A narrativa então corta pra um bar em Akiva onde somos apresentados ao antigo agente de lealdade imperial Sinjir Rath Velus, um dos personagens mais interessantes da trama, particularmente, meu favorito. Seu estilo lembra um pouco Han Solo mas muito mais ambíguo, em nenhum momento temos certeza de seus objetivos mas ainda assim, queremos saber o que vai acontecer com ele. Terá ele se arrependido do passado imperial? Estaria ele protegendo apenas a própria pele? Essa ambiguidade moral o torna profundo e o fato de ser carismático como um Han Solo faz com que ele seja um dos melhores personagens da trama. Enquanto isso a reunião imperial começa e somos apresentados à caçadora de recompensas Jas Emari, uma zabrak em busca da recompensa dada pela Nova República por membros da reunião imperial em andamento. Jas é uma personagem fria e que visa cumprir os contratos no melhor estilo Mandaloriano de se cumprir um contrato, antes pro Império, agora pra Nova República.

Norra, Sinjir e Jas, todos estiveram presentes na batalha de Endor em diferentes situações: Norra pilotando uma das Y-Wing que entraram na segunda Estrela da Morte, Jas em busca da recompensa pela rebelde Leia e Sinjir tentando salvar sua própria pele em meio a todo conflito. Essa relação entre personagens no passado ajuda a reforçar o relacionamento forjado pelo improvável grupo formado por eles e a dupla, Temmin e o Senhor Ossudo. A melhor comparação que o leitor pode ter em mente é com o grupo de rejeitados de outro filme da Disney, Os Guardiões da Galáxia. Ao contrário dos heróis Luke, Leia, Han e Chewie, aqui temos uma mãe e um filho que não se entendem, um desertor e uma caçadora de recompensas e é dessa reunião improvável que temos uma grande aventura.

Marcas da Guerra é um excelente romance no novo Universo Expandido de Star Wars e que traz muito que está por vir não apenas nos próximos volumes em 2016 e 2017 mas também como em todo novo cânone. A narrativa é bem amarrada e traz grandes referências ao universo de Stars Wars, tantas que recomendo o leitor acompanhar a leitura junto do Google ou mesmo da Wookieepedia, a Wiki de Star Wars. São várias as raças, planetas e personagens mencionados no livro e todos fazem referência a algo que já apareceu nos filmes ou no novo Universo Expandido da saga. Existem até referências à extinta Lucas Arts quando o barman da Cantina Alcazar oferece Grog pra Sinjir, a bebida tomada pelos piratas da série de jogos Monkey Island. Marcas da Guerra inicia a Jornada para O Despertar da Força com todos os méritos, pode não ter o impacto que a Trilogia Thrawn teve em seu tempo mas também não se podem comparar os contextos, a Trilogia de Timothy Zahn era a única sequência que os fãs tinham pra saga e agora, a Trilogia Aftermath faz parte de todo um projeto multimídia que levará aos novos filmes da saga, algo que Marcas da Guerra cumpre com todo o louvor. Parabéns e obrigado à Editora Aleph que uma vez mais contempla os fãs com mais uma bela edição de Star Wars!


---------------------------------------- P O L Ê M I C A S ----------------------------------------



Marcas da Guerra de Chuck Wendig é um romance feito por encomenda como muitos outros que abordam universos expandidos de séries, filmes e games. Esses romances são concebidos dentro de fórmulas que muitas vezes vem atreladas a franquias e demandas puramente comerciais. Fosse Chuck Wendig ou William Gibson o autor e o padrão a ser seguido e o tom da trama seriam os mesmos, independente da capacidade do autor. Antes de ler Marcas da Guerra me deparei com uma enxurrada de críticas ao tom do romance na internet, a maioria sem um sentido comum, alguns se queixando do texto, outros do desenvolvimento dos personagens e alguns até criticando a forma com que o autor usa as raças alienígenas, locais e até os idiomas, supostamente fora de contexto.

Não sou uma enciclopédia de Star Wars portanto fiz questão de acompanhar a Wookieepedia durante toda a leitura pra ter certeza que o livro era fiel a todas as referências apresentadas e não notei em momento algum falhas com o cânone da saga seja pelas localidades, descrição das raças apresentadas, idiomas... não vi furo em lugar algum. Além disso, não vi problema algum no desenvolvimento do texto ou dos personagens, pelo contrário, fiquei encantado com o grupo inusitado formado pelos protagonistas apresentados.

Qual foi meu espanto portanto ao me dar conta que todos esses ataques e críticas sem fundamentação tinham na grande maioria sido feitos em virtude da cor da pele de determinado personagem ou mesmo da sexualidade de outro. Isso é frustrante já que a ficção científica como literatura de vanguarda, não pode tolerar esse tipo de pensamento retrógrado, nenhum tipo de preconceito condiz com os ideais expostos pela literatura de ficção. Exemplos onde a literatura de ficção científica é preconceituosa existem, vide O Presidente Negro, único livro de ficção científica de Monteiro Lobato e um livro raramente lembrado entre os admiradores da boa ficção. Ele e outros com esse tipo de abordagem preconceituosa são mais lembrados como maus exemplos que por qualquer qualidade presente em seu texto.

Esse tipo de crítica preconceituosa, portanto, é dispensável e não deve sequer ser considerada. Sou branco e heterossexual e em nenhum momento me ofendi com o livro. Digo mais, não fosse o personagem em dado momento abordar sua sexualidade e eu nem teria notado diferença entre o antes e o depois da revelação. Isso não é relevante, continuo encantado com o personagem da mesma forma que antes a ponto de considerar meu personagem favorito no livro. Deixo aqui as seguintes perguntas aos fãs preconceituosos de Star Wars: por que implicar com a pele negra da Almirante Sloane se a pele do Almirante Thrawn na aclamada trilogia de Timothy Zahn era azul? Por que implicar com a sexualidade de personagens humanos se várias das raças apresentadas em Star Wars não tem sexo definido?

Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre o assunto, recomendo ler a opinião do próprio Chuck Wendig sobre o eventual "boicote" que esse tipo de fã prometeu fazer ao Despertar da Força:

http://terribleminds.com/ramble/2015/10/19/about-that-dumb-star-wars-boycott/

Sem mais, Marcas da Guerra é um excelente livro, leiam sem medo!

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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.



Seu instagram é @danielrockenbach.