18 de novembro de 2015

Tempestade no Ciberespaço

HAL 9000
A representação da informática na ficção científica vem se desenvolvendo das mais variadas formas. Inteligências artificiais avançadas como o HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Arthur C. Clarke ainda estão distantes da nossa realidade, apesar de serem uma possibilidade pro futuro. Representações literais do mundo virtual como o mundo de Tron demonstram a forma ingênua que interpretamos a revolução da informática no começo da década de 80: programas agindo tal como pessoas em um mundo paralelo ao nosso mas cheio de neon e construções fantásticas. Tron, apesar de ser um filme e tanto, não é nem de perto algo próximo do que se tem hoje na computação. Do clássico Neuromancer, de William Gibson, à Matrix e em praticamente todo Cyberpunk temos uma computação sofisticada onde a informação é uma moeda de troca na maioria na maioria das vezes e que geralmente traz personagens literalmente se conectando ao mundo virtual. Por mais que a realidade virtual esteja avançada, seus estágios estão ainda muito distantes do que se vê no Cyberpunk em geral. Cyberstorm, de Matthew Mather, revigora a representação da computação dentro da ficção científica e traz ideias interessantes e muito mais próximas a nossa realidade.

Ataques virtuais à sistemas de segurança de grandes empresas e do governo já são uma realidade há muito tempo. A queda recente dos servidores da Sony, os ataques à Microsoft e à Amazon e outros exemplos recentes mostram o quanto as grandes empresas estão a mercê de grupos como o Anonymous. A Nasa e a CIA são os alvos governamentais mais visados de hackers, isso sem mencionar outros tantos grupos interessados em ataques desse tipo, de governos rivais a grupos terroristas: interessados em derrubar ou invadir sistemas de defesa surgem todos os dias aos montes na internet. Tudo que estiver conectado: seu celular, seu PC, absolutamente tudo que estiver online já está passível de sofrer uma invasão, basta a vontade de um usuário e um conhecimento operacional mínimo e todas essas brechas podem ser exploradas.


Em Cyberstorm o autor discute a real possibilidade de ciberataques combinados a vários sistemas de uma cidade: desde o controle de logística de produção e distribuição de suprimentos a sistemas de controle de energia, água e comunicação. Ciberataques coordenados a uma cidade podem facilmente comprometer a rotina de seus moradores. Todos os sistemas estão online, é uma questão de se cortar o fornecimento de água e energia através da própria internet, sabotar a distribuição de suprimentos derrubando o sistema de logística das empresas que fornecem e por fim cortar a comunicação interna e externa da cidade. Uma vez cortados os serviços essenciais e comprometidos os sistemas de distribuição, você tem um cenário desolador onde o tecido social pouco a pouco passa a perder a importância e o caos e a anarquia começam a se difundir.


Carta do autor aos blogueiros
O livro começa apresentando o protagonista, Mike, sua esposa Lauren e seus vizinhos: Chuck e Susie, Richard e Sarah, Pam e Rory, o casal russo Irena e Aleksandr e o porteiro do prédio, Tony. Eles moram na ilha de Manhattan e terão seus destinos diretamente afetados pela crise criada pelos ataques uma vez que, quem começou isso tudo, pensou inclusive no fato de que Nova York estaria sendo assolada pela neve nessa época do ano, mais um fator complicador dentro desse cenário dos ataques cibernéticos. Mike é um jovem empreendedor e tem um vago conhecimento computacional já que seu foco são as redes sociais. Ele e o vizinho paranoico Chuck desenvolvem o começo da trama quando discutem as possibilidades de um conflito armado com outros países, no caso a China que na trama já está em um clima tenso com os Estados Unidos. Mike sugere que Chuck repense suas paranoias e considere a possibilidade de ciberataques, algo mais eficiente e limpo que as antigas invasões territoriais e que já foi praticado em outras situações no passado.

Não demora muito na trama e Chuck conclui que antigamente, a única forma de uma nação afetar outra era violando o espaço físico com uma invasão e o primeiro momento que esse paradigma foi quebrado foi quando o espaço exterior entrou em cena com satélites e estações orbitando a Terra sem se limitar por quaisquer fronteiras. O segundo momento em que o paradigma territorial foi derrubado foi com o surgimento do ciberespaço onde as limitações territoriais e físicas não importam, as forças se equilibram uma vez que todos estamos online. É em cima desse raciocínio que pesa a genialidade das ideias do autor no texto. Tendo em vista os recentes ataques terroristas em Paris e nos EUA e vendo a forma como grupos como o ISIS cada vez mais trabalham com a internet, os ciberataques são uma realidade muito mais plausível que ataques físicos à soberania de um país. Primeiro porque no mundo virtual, as forças são mais equilibradas, segundo porque a possibilidade de se comprometer uma população através de ciberataques acaba atingindo um número maior de vítimas que simplesmente um ataque convencional.

A trama se desenvolve em cima das consequências dos ataques e acompanha o núcleo em torno do protagonista Mike e seus vizinhos. O drama é apresentado de forma convincente e os personagens se desenvolvem dentro da situação de crise de uma maneira factível e interessante. Irena e Aleksandr estão lá pra sempre lembrar o leitor e o protagonista da época em que a informática ainda era um sonho distante: eles sobreviveram ao cerco dos nazistas na Rússia e viram o mesmo tipo de caos tomar conta das cidades russas numa época que apenas o território contava, o casal russo traz a experiência com a falta de recursos, a fome e a natureza inclemente do clima. Outra adição interessante ao grupo é o jovem Damon que traz um pouco de conhecimento computacional que acaba ajudando o grupo de sobreviventes. A forma com que os capítulos são apresentados na forma de um diário é convincente apesar de em alguns momentos ser anticlimática. Cyberstorm é mais recomendado pela ideia dos ciberataques no futuro que pelo desenvolvimento da narrativa mas isso por si já basta como motivo pra indicar o livro. Se tivesse que indicar uma obra que traz de uma forma convincente as possibilidades do futuro próximo, com certeza indicaria Cyberstorm.


----------------------------------A T E N Ç Ã O : Spoilers adiante!----------------------------------

O grupo Anonymous costuma usar a máscara de Guy Fawkes em suas apresentações públicas

O maior problema em Cyberstorm é no fechamento da história. Aqui parece que o autor começou a perder a mão apesar da ideia genial que originou o livro e decidiu acabar a trama de uma forma um tanto quanto vaga e sem muito desenvolvimento. Não discordo dos fatos apresentados no encerramento, apenas da forma com que eles são apresentados e isso empobrece a experiência mas não compromete já que o grande mérito do livro é trazer à tona a possibilidade real dos ataques virtuais no futuro. Isso já acontece com empresas e agências governamentais mas nunca a ponto de sabotar toda uma cidade e é algo que deve mesmo ser levado muito a sério. O problema em Cyberstorm é apresentar os efeitos de um ataque de uma maneira convincente e profunda pra encerrar a narrativa com uma série de coincidências improváveis.

Seria mais fácil dizer que, uma vez que os hackivistas de outros grupos percebessem um ataque, todos quisessem aproveitar a possibilidade de comprometer ainda mais os sistemas, colaborando com os ataques direta ou indiretamente aproveitando a onda do ataque inicial. O autor não deixa isso claro e faz tudo soar com uma série de coincidências improváveis mas que aconteceram em virtude do primeiro ataque. Não sou daqueles que torcia pra China ou qualquer outro inimigo dos Estados Unidos ser o grande vilão da trama, eu até acho mais interessante grupos de hackivistas sem fronteiras serem os culpados, até mesmo a solução que o autor dá pra explicar a crise me satisfaria mais mas contanto que isso fosse apresentado de forma convincente. Tudo bem que o leitor acompanha a narrativa sobre os olhos do protagonista, um leigo no assunto, mas mesmo assim, Matthew poderia muito bem inserir um capítulo com o trecho de um jornal ou um relatório militar explicando em detalhes os motivos da crise, assim o leitor não ficaria desguarnecido de maiores explicações, entregue a especulações e incerto sobre o que levou a trama a se desenvolver.

Excetuando todos esses fatores, Cyberstorm foi uma excelente surpresa num ano em que novos autores como Mathew Mather e Andy Weir (Perdido em Marte) me tomaram a atenção de assalto, lembrando que a boa ficção científica ainda está viva e que não dependemos apenas dos clássicos de Clarke e Asimov pra ter uma boa leitura no gênero. Apesar dos defeitos, recomendo Cyberstorm a todos!


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O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
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Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.



Seu instagram é @danielrockenbach.