15 de março de 2016

O Fim da Infância


A nova edição da Editora Aleph
Essa é a primeira vez que começo uma resenha no blog dando ao título do texto o mesmo do livro resenhado. O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke, diz tudo a que a obra veio logo em seu título. A trama traz o fim de um ciclo na história humana quando grandes naves tomam os horizontes das maiores cidades da Terra, justo no momento em que começávamos a dar nossos primeiros passos rumo ao cosmos. O livro começa e encerra descrevendo esse ciclo em uma trama que surpreende, choca e, no final, comove. O título e a obra são igualmente grandiosos, tanto que o filme que Stanley Kubrick pensou em fazer antes de concretizar o projeto do 2001 com Arthur C. Clarke, era uma adaptação de O Fim da Infância. Dada a forma como 2001 e Fim da Infância se encerram, ambos teriam o mesmo impacto épico no espectador/leitor. Cabe a você decidir se por sorte, ou azar, essa adaptação nunca viu a luz do dia. Vários tentaram adaptar O Fim da Infância para o cinema e a TV mas nenhum teve sucesso até o SyFy realizar a proeza em uma minissérie ainda não lançada no Brasil.

Não há muito o que dizer do livro sem entregar muito da trama. Logo que as naves chegam, uma voz se ouve por todas as cidades, em todas as línguas: a voz dos Senhores Supremos, os novos senhores da humanidade. Seu propósito é apenas nos assistir, sem interferir em nossas vidas, contanto que a humanidade obedeça uma única regra: não mais tentar explorar o espaço. Logo no primeiro contato, a humanidade anseia por conhecer os Senhores Supremos mas estes, através de seu líder, Karellen, prometem ao representante das Nações Unidas e da raça humana, Rikki Stormgren, se revelar dentro de 50 anos terrestres, Até lá fome, miséria, guerra e falta de recursos, todos os grandes problemas da humanidade são sistematicamente erradicados pelos Senhores Supremos e uma era de ouro se inicia para a humanidade.

O próprio Arthur C. Clarke no verso da nova edição, provavelmente em foto
de 1953, ano de lançamento do livro.
O Fim da Infância é um dos romances mais incomuns de Clarke. Incomum porque foge da racionalidade quase matemática de seus protagonistas, apelando inclusive pra fenômenos paranormais. Em dado momento da trama, habilidades especiais como telecinese, projeção astral e temas como parapsicologia são livremente abordados, tudo em função do desenvolvimento da narrativa. Algo incomum perto do contexto da obra de Clarke mas sempre muito bem colocado no texto de modo a não deixar dúvidas de que tudo está sendo visto e observado como uma possibilidade científica pelos envolvidos.

Seja pelo choque da revelação da natureza dos Senhores Supremos, sua aparência e seu propósito ou pelo final surpreendente ao mesmo tempo que comovente e um tanto quanto melancólico, O Fim da Infância é um exercício de imaginação fantástico, capaz de nos levar a abrir nossas mentes da mesma forma como quando David Bowman começa sua viagem definitiva dentro do monolito em 2001. O destino da humanidade e dos Senhores Supremos é algo marcante e que definitivamente não sai da cabeça do leitor tão cedo. A edição da Aleph contém extras como o prólogo alterado pelo autor pra situar a trama não no pós-guerra mas durante a Corrida Espacial nos tempos da Guerra Fria, algo que foi desconsiderado no relançamento que optou por manter a trama tal como ela foi publicada originalmente em 1953.

*Considerações sobre a trama e o impacto de O Fim da Infância na Ficção Científica / Com SPOILERS*

A aparência dos Senhores Supremos é o primeiro choque que o livro propicia ao leitor. Considerando a época em que o livro foi escrito (1953) e o fato de que o cristianismo era, e ainda é, algo de difícil discussão, o visual demoníaco de Karellen é algo que choca o leitor. O visual utilizado na adaptação recente do SyFy me lembra o demônio do filme A Lenda, algo assustador e impressionante mas confesso que esperava um visual mais alienígena, menos óbvio, algo mais próximo do visual que Neal Adams pensou na adaptação cancelada dos anos 70 pra TV. De uma forma ou de outra, essa revelação foi um dos momentos mais impactantes pra muitos leitores na década de 50 e que continua surpreendendo até hoje. Confira o visual de Karellen na minissérie do SyFy e no traço de Neal Adams no blog do desenhista. Aproveite pra conhecer também a história da fracassada produção pelo próprio Neal Adams nesse outro link em seu blog.

Filme A Aldeia dos Amaldiçoados
No que se refere ao comportamento das crianças especiais, os "humanos do futuro" em evolução, e dos efeitos que elas sofrem, em vários momentos me lembrei do filme A Aldeia dos Amaldiçoados (Village of the Dammed) de Wolf Rilla, lançado em 1960. No filme uma névoa cai sobre um vilarejo inglês e todos os habitantes ficam inconscientes por algumas horas. Ao acordarem, as mulheres estão todas grávidas e as crianças que nascem tem habilidades especiais como telecinese e outras, muito semelhantes às descritas no livro de Arthur C. Clarke. O filme é baseado em um livro, The Midwich Cuckoos de John Wyndham mas que foi lançado 4 anos depois do original de Clarke, em 1957. Logo, tanto o livro de Wyndham como o filme de Rilla podem ter em algum momento ter se inspirado vagamente no romance de Arthur C. Clarke. O filme é um clássico cult e pode ser encontrado no box Obras-primas do Terror da Versátil Home Video e ganhou um remake nos anos 90 pelo cultuado diretor John Carpenter.

A edição anterior, também da Editora Aleph.
Muitos consideram esse o melhor romance de Clarke e eu particularmente considero um dos melhores mas tenho A Cidade e as Estrelas como o melhor. O curioso é que muitos consideram A Cidade um sucessor espiritual do Fim da Infância, até mesmo porque Cidade e as Estrelas foi lançado em 1956, 3 anos após a publicação de O Fim da Infância. Acredito que, caso o final de Fim da Infância fosse diferente e Arthur C. Clarke decidisse manter os últimos humanos isolados em uma cidade sob controle de uma grande inteligência artificial, a cidade seria Diaspar, a mesma de A Cidade e as Estrelas. Quão fantástica seria essa possibilidade e quão impressionante seria a jornada de Alvin pra descobrir o que houve com a humanidade no passado... ele até poderia ser um descendente direto de Jan Rodricks! A Cidade e as Estrelas tem várias passagens em que os mistérios explorados pelo protagonista poderiam muito bem se ligar à trama de O Fim da Infância mas isso é especulação de fã. Se Arthur C. Clarke assim o desejasse, poderia muito bem ter ligado as tramas na época em que refez o início do Fim da Infância, atualizando o contexto da trama pros tempos da Guerra Fria e da Corrida Espacial. O que importa mesmo é que os leitores e fãs de Arthur C. Clarke tem aqui dois de seus melhores livros. A Cidade e as Estrelas você ainda encontra pela Devir, na última edição lançada no país e O Fim da Infância pela Editora Aleph, numa nova edição lançada recentemente.



--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O Sentinela Positrônica é um Blog Parceiro da Editora Aleph.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------





Daniel Rockenbach, um estranho numa terra estranha que decidiu compartilhar suas leituras sobre ficção científica em suas mais diversas manifestações.

Seu instagram é @danielrockenbach.